O ano eleitoral nos Estados Unidos nem chegou ainda e os bastidores da disputa pela Casa Branca entre republicanos e democratas já estão pegando fogo. O incêndio começou na segunda-feira 29, quando o diretor da CIA (a agência central de inteligência), George Tenet, enviou ao Departamento de Justiça um documento em que pedia a abertura de inquérito criminal para apurar o vazamento para a imprensa do nome de uma agente da organização. Valerie Plame é funcionária da CIA e especializada em armas de destruição em massa. Nos EUA, a revelação
da identidade de agentes do serviço secreto é crime federal, com
punição de até dez anos de cadeia. O caso é grave e esta é a primeira acusação criminal interna contra a administração George W. Bush.
O presidente americano se defende: “Há muitos vazamentos de informação, e, se um ocorreu sob a minha administração, eu quero
saber quem foi. Se a pessoa violou a lei, ela será responsabilizada.” Os democratas exigem uma investigação independente porque até agora
ela está a cargo do secretário de Justiça, John Ashcroft, um linha-dura
e ferrenho aliado de Bush. “O conflito de interesses dentro do Departamento de Justiça é óbvio”, disse o senador democrata Tom Daschle. “John Ashcroft não irá nem atrás de Ken Lay (amigo pessoal
de Bush e presidente da Enron, responsável pelas fraudes contábeis
da empresa americana). Como ele irá atrás de alguém que o indicou
para secretário de Justiça?”, questionou Daschle.

O caso ganhou contornos de baixaria política porque Valerie Plame é nada menos do que mulher do ex-embaixador Joseph Wilson, crítico da administração Bush e relator de um documento em que refutou as informações sobre o desenvolvimento das armas de destruição em massa de Saddam Hussein. Em 2002, a Casa Branca enviou o diplomata Wilson (embaixador no Gabão entre 1992 e 1995) ao Níger para apurar as denúncias de que o Iraque teria tentado comprar urânio enriquecido daquele país africano. Mas o relatório de Wilson desmentiu as suspeitas. Mesmo assim, essa informação falsa foi usada por Bush como uma das justificativas para os EUA irem à guerra contra o Iraque.

Suspeita-se que a revelação do nome da agente da CIA para o jornalista Robert Novak, do Washington Post – que defendeu a política de Bush no Iraque – teria sido uma iniciativa para calar Wilson realizada por Karl Rove, marqueteiro e assessor político de Bush, tido como responsável por levá-lo à Casa Branca. Seja como for, a crise chegou em um péssimo momento para o presidente americano, que tenta se desvencilhar do imbróglio no Iraque. Na quinta-feira 2, membros do Senado e da Câmara ouviram de David Kay, chefe de uma equipe de 1.200 inspetores americanos, que depois de três meses de busca não foram encontradas as famosas armas de destruição em massa no Iraque. Essa expedição dos inspetores que voltou de mãos abanando do Iraque custou aos bolsos americanos US$ 600 milhões e Bush ainda negocia com o Congresso mais US$ 87 bilhões para a reconstrução do país.

Qualquer semelhança entre o que Bush enfrenta no Congresso americano e o pesadelo do primeiro-ministro Tony Blair na Câmara dos Comuns não é mera coincidência. Ambos os casos giram em torno de falsos relatórios montados para justificar a empreitada contra o Iraque. No Reino Unido, o especialista em armas biológicas David Kelly se matou em julho depois de ser identificado como fonte de uma matéria reveladora da BBC em que se dizia que as informações utilizadas por Blair para justificar a guerra teriam sido “requentadas”. Bush e seu aliado britânico mergulham em seus infernos domésticos de justificações infundadas. Mas o preço que os dois líderes deverão pagar ainda é desconhecido.