08/10/2003 - 10:00
Hoje, os aviões sobem e descem passando a dois palmos dos telhados das casas, e, enquanto outros locais da cidade exaltam suas pracinhas, igrejas, monumentos, lagos, residências, Congonhas se vangloria de ser o único bairro metropolitano em todo o mundo que possui um aeroporto internacional na esquina de suas ruas.” A afirmação acima, publicada em 1976 por Carlos Eduardo Novaes no livro Os mistérios do aquém, pode ser repetida 27 anos depois. A diferença é que, de lá para cá, o mesmo caos se estendeu ao Rio de Janeiro e a Belo Horizonte, que também envolveram seus aeroportos com o galopante avanço da malha urbana.
Construído para comportar, no máximo, seis milhões de passageiros por ano, Congonhas recebeu 12,5 milhões em 2002. São 729 pousos e decolagens por dia – 43 operações por hora, com intervalos de um minuto e 20 segundos. Ou seja, antes de acabar de ler esta reportagem, ao menos dois aviões terão cruzado o céu de Congonhas.
No Rio e em Belo Horizonte, a ocupação também atinge o dobro da capacidade operacional. Construído para acomodar 3,2 milhões de passageiros por ano, o Santos Dumont, na capital fluminense, atingiu no ano passado a marca de 5,5 milhões de usuários. Em Minas, o aeroporto da Pampulha, projetado para receber 1,6 milhão de passageiros, expõe mais de três milhões a vergonhosa situação de desconforto. Tudo isso serve de combustível para acelerar a execução do grande plano de obras previsto pela Infraero, administradora de 65 aeroportos no País. “A aviação comercial brasileira está em crise. Muitas companhias, em grave situação financeira, reduziram vôos e devolveram aeronaves. O que vai acontecer quando a economia der sinais de crescimento?”, indaga o presidente da empresa, Carlos Wilson Campos. “Vamos investir R$ 4,2 bilhões nos próximos cinco anos. Cerca de R$ 450 milhões nesses três aeroportos centrais”, afirma.
Quando foram inaugurados, na década de 1930, Congonhas, Santos Dumont e Pampulha ocupavam regiões descampadas. Em São Paulo, havia quem reclamasse da distância do terminal, localizado na auto-estrada que ligava a capital a Santos, hoje a congestionada avenida Washington Luiz. No Rio, o engarrafado Aterro do Flamengo nem sequer existia. Na década de 1980, foram construídos aeroportos novos em cada uma dessas metrópoles: o Galeão, no Rio, Cumbica, na Grande São Paulo, e Confins, em Belo Horizonte. Quem poderia imaginar que, duas décadas depois, os novos terminais permaneceriam subutilizados enquanto os velhos, cada vez
mais cheios? Culpa do trânsito e das condições de acesso. No Rio, o caminho para o Galeão é feito pela perigosa Linha Vermelha. Em São Paulo, cruzar a Marginal Tietê até Cumbica, em Guarulhos, pode
significar horas de desespero.
Assim sendo, fica difícil adiar a modernização dos aeroportos centrais. “Os terminais de passageiros serão adequados à demanda atual, mas as pistas continuarão iguais. Com isso, o número de vôos por hora e o volume de passageiros serão mantidos”, explica Eleuza Lores, diretora de engenharia da Infraero. De olho no conforto, a empresa vai instalar pontes de embarque nos três endereços. Passear a pé pela pista, nunca mais. Em Congonhas, serão oito pontes; no Santos Dumont, nove; e na Pampulha, quatro. Haverá ainda mais balcões de check-in, lojas e esteiras de bagagem. Em São Paulo, um edifício-garagem será construído até julho.
Para a presidente do Movimento Defenda São Paulo, Regina Monteiro, as reformas em Congonhas causarão complicações. “As companhias aéreas fazem mil manobras para oferecer vôos saindo de Congonhas. Se são proibidos vôos mais longos do que São Paulo–Brasília, elas colocam uma escala em Vitória e vendem vôos para todo o Nordeste”, acusa. O mesmo acontece com o número de vôos por hora. “As companhias podem trocar os aviões por outros maiores, aumentando o fluxo de passageiros novamente”, anota. Outras reivindicações do Defenda São Paulo são a preservação da fachada original do aeroporto e a restrição da garagem a apenas dois pavimentos acima do solo.
Regina Monteiro acredita que, em vez de adaptar o aeroporto à demanda, a Infraero deveria batalhar para adequar a demanda ao aeroporto. “É só restringir Congonhas aos vôos de curta distância e construir uma linha de trem entre Cumbica e o metrô”, propõe. Um projeto de ligação dos três aeroportos de São Paulo (Congonhas, Cumbica e Campo de Marte), com 44 quilômetros de ferrovia, está previsto pelo governo do Estado desde 2000. Em 18 de setembro, o governador Geraldo Alckmin assinou convênio com o governo espanhol para estudar a construção de uma ferrovia entre os aeroportos de Guarulhos e de Viracopos, em Campinas, principal terminal de carga do País. Ele já anunciou a recuperação da estrada velha Campinas–São Paulo, que ligará, sem pedágios, o aeroporto ao Rodoanel.
No Rio, a solução encontrada pela consultoria de engenharia Figueiredo Ferraz para fazer fluir o trânsito ao redor do Santos Dumont foi criar vias independentes de acesso aos terminais de chegada e de partida. O prédio atual, construído em 1947 pelos irmãos Marcelo, Milton e Maurício Roberto e tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural, ficará restrito ao desembarque. “Vamos erguer um novo edifício para embarque e criar 800 novas vagas de estacionamento”, garante o gerente de projeto Henrique Melman. Elogiada pelo Conselho Estadual de Tombamento da Secretaria da Cultura do Rio, a proposta assinada pelo arquiteto Sérgio Jardim mantém intacta a fachada do edifício antigo e inova ao criar, de frente para a pista, um conector suspenso para levar os passageiros até as aeronaves. “As paredes serão todas de vidro para valorizar a vista da Guanabara. Seu estilo contemporâneo fará um contraponto com o traço modernista dos irmãos Roberto”, explica o arquiteto. A readequação do aeroporto de São Paulo será concluída no próximo ano. No Rio, a reforma seguirá até 2006 e, em Minas, só falta concluir a licitação para o início das obras, que devem levar três anos. É apertar o cinto e acionar as turbinas.