08/10/2003 - 10:00
Enquanto as lideranças do governo Lula ainda debatem o rumo político dos transgênicos, uma pesquisa científica revelou o lado suspeito dos alimentos geneticamente modificados. Segundo o estudo publicado pelo jornal britânico The Guardian, duas entre três plantações experimentais se mostraram mais danosas ao meio ambiente do que os cultivos tradicionais. O jornal britânico antecipou o conteúdo do relatório que deve ser publicado na sexta-feira 10 pela Sociedade Real Britânica. As lavouras de colza, para produção de óleo, e de beterraba, para fabricação de açúcar, podem destruir plantas e animais ao seu redor. O único a escapar ileso do crivo dos cientistas foi o milho, plantio que não matou as plantas e os insetos e por isso poderia ser recomendado para o consumo.
O estudo levou três anos para ser concluído e foi o maior experimento científico já realizado até hoje no mundo. Ele servirá de munição para os ambientalistas na guerra contra os transgênicos. Até então, não havia nenhuma grande pesquisa mostrando os malefícios dos produtos geneticamente modificados. Este, aliás, era o principal argumento a favor desses produtos. Para chegar a essa conclusão, os cientistas ingleses compararam o número de aranhas, borboletas, abelhas, mariposas e besouros presentes em fazendas com transgênicos e em outras, que usavam sementes não modificadas. Todas as lavouras foram tratadas com herbicidas para matar as ervas daninhas. Nas áreas com transgênicos se constatou uma menor presença de insetos e plantas. Ao serem modificadas geneticamente, as sementes de milho, de colza, de beterraba ou mesmo as de soja recebem um gene que as torna resistentes aos inseticidas. Assim, as ervas daninhas e os insetos morrem quando se alimentam nas lavouras transgênicas.
No caso do milho transgênico ocorreu uma surpresa. Num campo experimental, os cientistas notaram a presença de mais ervas daninhas e insetos. Embora reveladora, essa conclusão é controversa, uma vez que ainda há vários testes em andamento para avaliar o impacto dos transgênicos na saúde humana e na natureza. “O principal problema dos transgênicos é a perda da biodiversidade, e o estudo aponta nesse sentido”, diz Tatiana Carvalho, da ONG Greenpeace, que, assim como outros ecologistas, entre eles a ministra do Meio Ambiente Marina Silva, defende a cautela. “O resultado dessa pesquisa na Inglaterra mostra que é necessária a obrigatoriedade de licenciamento ambiental. Só isso nos dará maior grau de certeza sobre esses produtos, para poder liberá-los ou não”, diz João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente.
Enquanto isso, a aprovação da Medida Provisória nº 131, que libera
o plantio da soja transgênica, produziu um racha no governo, com quase 50 deputados e nove senadores contrários à decisão do presidente Lula de liberar a safra a ser colhida em 2004. O maior impacto ocorreu no PT, em que há 35 rebeldes. O embate contaminou o PSB, atingiu os verdes do PV, o PTB, neogovernistas do PMDB e até tucanos meio-oposicionistas. Na quinta-feira 2, o vice-líder do governo no Congresso, senador João Capiberibe (PSB-AP), renunciou por considerar a MP
ilegal e uma prova de submissão às grandes empresas do agronegócio internacional. “O governo não pode concordar com a subversão
da lei patrocinada pela Monsanto, que pirateou as sementes e
criou um fato consumado”, protestou. Ex-governador do Amapá, Capiberibe rompeu com o governo porque tem bases amazônicas ambientalistas e antitransgênicas.
O senador Sibá Machado (PT-AC), substituto de Marina Silva, vai apresentar um projeto alternativo à MP obrigando o governo a trocar por convencionais as sementes transgênicas em poder dos agricultores. Só três dos 92 deputados petistas defendem a soja transgênica. O grupo dissidente não tem poder para barrar a aprovação da medida no Congresso. A batalha ambiental é muito maior e mais profunda que a provocada pelas reformas da Previdência e tributária. “O Lula está rasgando o programa de governo e do PT”, critica o deputado Fernando Gabeira (PT-RJ). Em Santa Catarina, a MP do Planalto causará uma espécie de esquizofrenia jurídica, uma vez que desde janeiro estão proibidos o plantio e a comercialização de transgênicos. No Paraná, o governador Roberto Requião (PMDB) apóia um projeto de lei que transforma o Estado em área livre de transgênicos. Até mesmo o escoamento dos produtos modificados pode ser restringido.
O Partido Verde entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal pedindo a anulação da medida provisória por considerá-la inconstitucional. Na sexta-feira 3, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) também entrou na Justiça. Eles pedem a proibição do uso do agrotóxico glifosato Roundup Ready, da Monsanto, na plantação de soja transgênica. Qualquer decisão do Supremo provocará mais confusão. Se a MP for anulada, os agricultores gaúchos que têm sementes transgênicas podem ser punidos por admitir a posse de sementes ilegais. A safra de soja, que começou a ser plantada na quarta-feira 1º de outubro para ser colhida no ano que vem, corre o risco de ir para o lixo. “Mandar a Polícia tocar fogo na soja seria uma fotografia horrível num país cujo povo está com fome, que precisa exportar e produzir”, disse o presidente Lula numa entrevista às emissoras de rádio. O presidente disse ainda não ser contra nem a favor dos organismos geneticamente modificados. Ele defende o aprofundamento das pesquisas. O governo enviará ao Congresso nas próximas semanas projeto de lei tratando da biossegurança.