16/01/2002 - 10:00
Em meio às ruelas e casinhas de alvenaria já habituadas a um cotidiano de violência, 140 crianças se reúnem toda semana na Escola de Música da Rocinha para desenvolver o que têm de melhor. Além de canto coral, piano, flauta doce e violão, essa galera miúda também aprende cidadania e acorda a auto-estima. Em dezembro, elas resolveram botar a cara para fora. Lançaram o primeiro CD, pela Sony Music, com o sugestivo título Paz. Os 50 garotos de oito a 16 anos se dividiram no coro, nos arranjos, na instrumentação e na regência para executar clássicos da MPB – como O cio da terra, de Milton Nascimento, e Sina, de Djavan – com resultado impecável.
A idéia inicial era reverter as vendas do CD para as cinco creches da comunidade. Mas a ONG Rocinha XXI entrou em cena e garantiu recursos para a aquisição de uma casa no alto da favela para a Oficina de Lutheria, onde se fabricam instrumentos de cordas, como a viola caipira e o cavaquinho. O projeto prevê ainda a abertura de cursos de teatro, artes visuais e musicais e de estúdios de gravação e fotografia. Por enquanto os artistas mirins estão lambendo a cria. "O CD ficou maravilhoso", suspira Patrícia Serafim, 19 anos, solista do grupo. Nascida e criada na Rocinha e frequentadora da Escola de Música desde os 13, Patrícia é filha de mãe diarista e de pai desempregado. Seu sonho é ser uma grande cantora. "Aprendi tudo o que sei aqui, mas antes de começar a estudar já cantava no banheiro", conta. Quem está exultante é a professora de canto Valéria Correia, 36 anos. "Para um coro que começou outro dia, foi um presente."
A história desta turma começou a partir do esforço pessoal do pianista alemão Hans Urich Koch, que trabalhava em seu país em um programa de incentivo ao Terceiro Mundo. Como foi morar no Leblon, escolheu a Rocinha para iniciar sua atividade social. Em 1994, conseguiu um espaço na igreja metodista e montou a escola de música com apenas 14 alunos, captando recursos com a iniciativa privada alemã. Em 1997, teve de voltar ao seu país, por problemas familiares. Desde então, quem assumiu o comando foi Gilberto Figueiredo, músico carioca de 37 anos com experiência na área social. Os recursos enviados por Hans ainda continuam mantendo a escola. Mas a duras penas. "São linhas de crédito temporárias, que não cobrem nossos custos", lamenta Gilberto.
As duas pequenas salas onde a escola funciona há três anos foram cedidas pela Escola de Samba Acadêmicos da Rocinha. A folha de pagamento, para os cinco professores, monitores, encargos sociais, compra e manutenção de equipamentos, é de R$ 5 mil. Gilberto planeja atrair a iniciativa privada para poder oferecer atividades de reforço escolar, montar um curso de informática e serviços de psicologia e fonoaudiologia. "Ainda temos muito o que crescer", sonha.