08/10/2003 - 10:00
O Brasil sabe agora o que até as baianas do acarajé já sabiam: o senador Antônio Carlos Magalhães é o autor intelectual do maior escândalo de grampos telefônicos ilegais da história da República. Durante 15 meses – entre novembro de 2001 e fevereiro de 2003 –, ACM comandou uma quadrilha infiltrada na Secretaria de Segurança Pública da Bahia para bisbilhotar ilegalmente
inimigos políticos, a ex-amante e centenas de desafetos. Um megagrampo que xeretou conversas em mais de mil telefones em cinco Estados e
teve seu auge da campanha eleitoral de 2002 foi denunciado por
ISTOÉ no começo do ano.
No final da tarde da terça-feira 29, um emissário levou ao gabinete de ACM um envelope lacrado tendo como remetente o procurador-geral da República, Cláudio Fonteles. Dentro, um contundente documento de 20 páginas do inquérito policial nº 2028 trazia a cópia da denúncia que o MP estaria protocolando no dia seguinte, no Supremo. Foi a única deferência de Fonteles para que ACM não tomasse conhecimento da acusação pelo noticiário. No texto, Fonteles foi implacável: ACM é o mandante dos grampos ilegais. Ele enquadrou o senador, o araponga Alan Farias, o delegado Valdir Barbosa e a ex-secretária de Segurança da Bahia Kátia Alves – também pelo crime de formação de quadrilha. Para ACM resta ainda o agravante de ter cometido o crime por “motivos torpes ou fúteis”, envolvendo razões políticas ou afetivas. Citando as vítimas mais notórias – os deputados Geddel Vieira Lima (PMDB) e Nelson Pellegrino (o líder do PT), o ex-deputado Benito Gama e o casal Plácido Faria e Adriana Barreto, ex-amante do senador –, Fonteles pediu a abertura de um processo penal que pode render até sete anos de cadeia para o bando.
A denúncia foi baseada nos depoimentos de 16 testemunhas ao delegado Gesival Gomes, da PF. “Há crimes como esse, de interceptação telefônica, no qual a prova testemunhal avulta e se torna fundamental. Na denúncia que fiz, a prova testemunhal é eloquentemente forte”, garante Fonteles. Ao saber da acusação, ACM procurou confundir: “Existem dois pareceres de procuradores sobre o mesmo assunto que se confrontam.” No dia seguinte, Fonteles esclareceu a suposta contradição. O procedimento engavetado por Brindeiro não passava de poucas linhas de uma notícia crime enviada pelo presidente do Senado, José Sarney, na tentativa de salvar o pescoço de ACM. O que Fonteles resolveu tocar para a frente é algo bem mais consistente – um inquérito com quatro volumes e 22 anexos.
O que está deixando os advogados de ACM com a pulga atrás de orelha é a última linha redigida por Fonteles: “Reserva-se, ainda, o Ministério Público Federal a, se o motivar a instrução criminal, aditar a presente denúncia.” Fica claro que o MP guardou para o momento certo as provas documentais. Entre elas estão os ofícios enviados por ACM a ministros do governo FHC baseados em informações pescadas pelos grampos dias antes, conforme ISTOÉ mostrou em suas edições. Outro documento decisivo é a transcrição dos grampos com anotações de próprio punho de ACM. Outra prova demolidora é a gravação de oito minutos onde ele confessa seu envolvimento direto na grampolândia baiana. Os documentos e a gravação com o jornalista de ISTOÉ foram entregues pela revista ao Conselho de Ética do Senado.
A pizza comandada no Senado para livrar ACM da cassação assou durante exatos 145 dias. Pelo envolvimento com a arapongagem, o senador baiano ganhou uma mera advertência escrita. Com a denúncia oferecida pela Corte, o Senado poderá limpar o cheiro de orégano que ainda contamina a casa. A ministra do STF, Ellen Gracie, relatora do caso, comentou com amigos que ficou impressionada com a consistência das denúncias e deve acolher a abertura do processo. “Desde o início estava claro o envolvimento de ACM nos grampos. A denúncia do procurador repõe os fatos e resgata a verdade”, aplaudiu o relator do caso no Conselho de Ética, Geraldo Mesquita (PSB-AC). “Espero que o Senado se sinta envergonhado por ter sido omisso e cúmplice de ACM”, diz a senadora Heloísa Helena (PT-AL). Até o julgamento do STF, ACM será um senador sub judice.