08/10/2003 - 10:00
Justiça seja feita: o Judiciário sabe defender seus interesses. Demonstrou isso na guerra da reforma da Previdência – quando os magistrados se uniram em torno da defesa de seus altos salários e aposentadorias. Agora, a turma da toga afia suas espadas para uma nova reforma: a do Judiciário. As propostas para modernizar este poder rastejam há 12 anos no Legislativo, no mesmo ritmo paquidérmico em que o Judiciário costuma caminhar quando é acionado para servir ao cidadão comum. Os casos de lentidão nos tribunais são incontáveis. Mas a história de dona Olga, uma senhora que em 1989 decidiu contratar um advogado para reaver um imóvel que havia alugado a um órgão público, é simbólica: foram os mesmos 12 anos de paciente espera. A morte foi mais rápida e levou dona Olga, sem que a Justiça desse o ar de sua graça, como conta a procuradora do Ministério Público do Estado de São Paulo, Luiza Nagib Eluf, em artigo publicado no site Consultor Jurídico. Mas começam a surgir sinais de que, ao contrário da ação de dona Olga, a Reforma do Judiciário tenha algum desfecho. Além de emperrar a vida do cidadão, a morosidade no Judiciário custa muito caro ao País: algo em torno de US$ 10 bilhões ao ano, estimativa feita pelo escritório de advogacia Leite, Tosto e Barros, baseada em estudo realizado pelo economista Armando Castelar Pinheiro, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A reforma do Judiciário agita a Praça dos Três Poderes. A última demonstração explícita de desarmonia entre Judiciário e Executivo aconteceu na quinta-feira 18, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) comemorou seus 175 anos. Apesar de convidado com antecedência, o presidente Lula ignorou a festa e mandou o vice José Alencar, que chegou atrasado e saiu antes do fim da cerimônia. A ausência de Lula não significava que ele estava desligado dos assuntos jurídicos. Ao contrário, naquela mesma semana o presidente recebeu no Planalto representantes da cúpula da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para dar o seu recado: quer revolucionar a cúpula do Judiciário. Segundo participantes do encontro, Lula afirmou que os mandatos dos integrantes do STF devem ser fixados em dez anos. Hoje, os ministros deste tribunal são aposentados compulsoriamente com salários integrais ao completar 70 anos. Será o caso do próprio presidente do STF, Maurício Corrêa, que sairá em maio do ano que vem e será substituído pelo ministro Nélson Jobim, com quem o presidente tem boas relações. Aos convidados Lula avisou que pretende indicar uma mulher para a vaga que será aberta no STF. Hoje há somente uma mulher: a atual ministra Ellen Gracie Northfleet. Outra proposta que encontra forte resistência entre os magistrados e é defendida pelo Executivo é o controle externo do Judiciário, através da criação de um conselho com a participação de representantes do próprio Poder Judiciário, de advogados, Ministério Público e sociedade civil.
Já no dia 7 de maio, o Planalto sinalizava sua sede por mudanças, ao empossar o advogado Sérgio Renault no cargo de secretário especial da Reforma do Judiciário, órgão subordinado ao Ministério da Justiça, comandado por Márcio Thomaz Bastos. Segundo ele, até o fim do governo Lula o Brasil terá uma Justiça mais acessível e moderna. À frente da secretaria, Renault realiza um diagnóstico da caótica situação do Judiciário, que deverá ficar pronto até o fim deste ano: um levantamento sobre o número de processos e o tempo que demoram tramitando na Justiça, número de juízes, etc. Estimativas de integrantes da cúpula do próprio Judiciário indicam que no máximo 20% da população brasileira tem acesso à Justiça. Além disso, a Justiça está atulhada de processos. O Brasil tem um juiz para cada grupo de 14 mil habitantes, quando a média mundial é de um juiz para cada grupo de sete mil habitantes. No ano passado cada um dos ministros do STF proferiu dez mil decisões. Apenas 100 processos passaram pela Suprema Corte dos Estados Unidos no mesmo período. O tiroteio entre o Executivo e o Judiciário tem sido intenso. No dia 22 de abril, Lula irritou a cúpula da Justiça ao afirmar: “É preciso saber como funciona a caixa-preta desse poder que se considera intocável.” Durante toda a tramitação da reforma da Previdência, Maurício Corrêa não deu trégua, atacando a reforma da Previdência e até mesmo o comportamento do próprio presidente. No dia 24 de junho, Lula avisou: “Não tem Congresso, não tem Poder Judiciário. Só Deus vai me impedir de realizar as reformas.” O ministro Francisco Fausto, presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), subiu o tom da briga ao afirmar, no dia 14 de julho, que foi “vítima de estelionato eleitoral”. Dez dias depois, Lula disparou: “Num país onde há 40 milhões passando fome e o salário mínimo é de R$ 240, tem gente que acha pouco se aposentar com R$ 17 mil, R$ 19 mil, R$ 20 mil ou R$ 30 mil.” Assim, não foi de se estranhar que no dia das comemorações do 7 de Setembro Lula e Corrêa nem sequer se cumprimentassem, mesmo estando no mesmo palanque.
No Legislativo, o motor da reforma do Judiciário já começou a funcionar, pelo menos na Câmara, onde a comissão especial que trata do assunto concluiu um esboço de projeto de Lei Orgânica da Magistratura. Os juízes, através da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), já reagiram a algumas propostas. A entidade não concordou, por exemplo, com a idéia de diminuir de 60 para 30 os dias de férias dos magistrados. O debate vai pegar fogo. Mas pelo menos não será em torno do uso de perucas. Esse é o tema que agita os meios jurídicos da Inglaterra nos últimos tempos. Costume adotado nos tribunais do país no século XVIII, a tradicional peruca, feita com crina de cavalo, foi para o banco dos réus e corre o risco de ser condenada.
Rir para não chorar |
O mundo jurídico pode ser sisudo. Mas os sites especializados na internet mostram que há humor entre as togas. São histórias que entraram para o folclore da Justiça. Uma delas teria ocorrido há três anos, em Cotia (SP). Um juiz negou indenização por acidente de trabalho a um operário que tivera seu dedo mínimo da mão esquerda decepado, o mesmo que o presidente Lula perdeu numa prensa mecânica. O juiz alegou que o mindinho “tende a desaparecer com a evolução da espécie humana”. Outra história divulgada no meio reproduz um ofício no qual um magistrado de um tribunal criminal do Rio de Janeiro pediu a seu superior, em 1998, a compra de um pinguim de louça para enfeitar a geladeira de sua sala de trabalho. Expôs fartos argumentos: “O pinguim é uma espécie encontradiça nos climas frios. A compatibilidade pinguim-geladeira é inquestionável. Pesquisa Ibope constatou que 52% dos entrevistados possuem um pinguim de geladeira. A presença do palmípede no posicionamento que se postula é numerosa nas tradições populares.” E finaliza o ofício com uma trova gaúcha: “Vou me embora desta terra / com meu pingo e chaleira / pois aqui já não existe / um pinguim na geladeira.” |
|