26/10/2005 - 10:00
O revolucionário Leon Trótski, quem
diria, teve os primeiros tempos de exílio custeados por um coletivo de prostitutas francesas. Instalado na
ilha Prinkipo, na Turquia, o líder comunista, evidentemente, jamais associou seu próprio sustento com qualquer esquema de gigolagem.
Expulso da União Soviética, ele creditava os confortos na ilha a recursos coletados entre operários contrários à política de seu arquiinimigo Josef Stálin. Os livros de história não registram nenhuma linha sobre esse episódio. Na realidade, a fonte escusa do sustento de Trótski é apenas uma das muitas troças arquitetadas pelo paquistanês Tarik Ali no romance Redenção (Record, 350 págs., R$ 46,90), recém-lançado no Brasil.
Um dos mais vigorosos intelectuais da atualidade, Ali conhece como poucos as entranhas do trotskismo, a corrente do movimento comunista internacional que prega a “revolução permanente”, em oposição à linha stalinista de “socialismo em um só país”. Radicado em Londres desde os anos 60, o paquistanês foi um dos expoentes do movimento estudantil britânico, integrou a direção de um grupo marxista e até hoje está no centro de todos os debates da esquerda mundial. Não por acaso, suas recentes críticas ao alinhamento do governo Luiz Inácio Lula da Silva à “nova ordem capitalista” faiscaram nos bastidores da política nacional.
Lula, aliás, é personagem de Redenção, romance escrito em 1990. Na ficção, um ano antes, o protagonista Ezra Einstein participa de um comício em São Paulo, quando Lula se encontrava “numa disputa cabeça-a-cabeça com o candidato da direita”. Inspirado no dirigente trotskista Ernest Mandel (1923-1995), Einstein é um velho líder revolucionário, radicado em Paris, que convoca militantes do mundo inteiro para um congresso, logo após a reviravolta que redesenhou o bloco comunista na virada dos anos 90. O convite para o encontro, disparado para as incontáveis facções do trotskismo, despertam antigas rivalidades, ao mesmo tempo que desencadeiam uma trama impagável.
Na contundente sátira à esquerda tradicional, Ali introduz componentes sexuais que não fazem parte de nenhuma cartilha marxista. A começar pelo próprio Einstein que, septuagenário, se casa com uma jovem e voluptuosa brasileira, Maya, que conhecera em sua rápida passagem por São Paulo. E assim, numa incessante mescla de ficção e realidade, com pitadas surrealistas, Ali arma sua trama envolvente. Histórias que jamais seriam publicadas no Iskra (Centelha), o jornal do Partido Social-Democrata dos Trabalhadores Russos, comandado por Vladimir Illicht Lênin, para o qual Trótski colaborou.