De ator de segundo escalão de Hollywood para o posto de homem mais poderoso do mundo. A trajetória de Ronald Reagan – que o clichê afirmaria ser digna de cinema – perpassa os fatos mais importantes do século passado. Se no início da década de 30, o jovem Reagan penou, desempregado, na grande Depressão americana, quase 60 anos depois, em 1989, já como presidente dos Estados Unidos (1981-1989), Reagan foi um dos protagonistas da queda do muro de Berlim e do colapso da União Soviética. Mesmo sendo considerado por seus inimigos um bronco com pouca experiência política e ridicularizado por suposta incapacidade para o cargo, Ronald Reagan terminou seus dois mandatos com uma enorme popularidade. Com uma trajetória de vida – e também política – tão díspar, Reagan é considerado, nas palavras da revista Time, “o mistério sem solução da moderna política americana”. Para seu biógrafo oficial, Edmund Morris: “[ele era] incompreensível”. Se o mal de Alzheimer,
do qual sofre Reagan, 92 anos, vai aos poucos apagando sua memória,
ao menos suas cartas servem como uma pista de quem foi Dutch
(seu apelido). E um novo livro, Reagan – a life in letters (Uma vida
em cartas), lançado nos EUA na terça-feira 23, com grande parte
das mais de cinco mil cartas escritas por Reagan, promete mostrar
várias facetas do ex-presidente.

Há de tudo na vasta correspondência de Ronald Reagan, um dos
mais conservadores presidentes que a Casa Branca já conheceu.
Desde cartas para a presidente de seu fã-clube, quando ainda era um desconhecido ator, até missivas para o líder máximo da URSS, Leonid Brejnev, em plena guerra fria. Muitas delas são extremamente pessoais. “Espero que agora as pessoas consigam entendê-lo melhor e vejam nele todas as qualidade que eu vejo”, afirmou a mulher de Reagan, Nancy, sobre o lançamento do livro.

As revelações mais pessoais do ex-presidente americano surgem das cartas que ele escreveu quando ainda não havia ingressado na política.
A uma amiga de infância, cujo marido havia morrido um pouco antes, o futuro presidente americano confessou, em 1951: “Mesmo depois de casado, eu me sentia culpado em relação ao sexo, como se tudo aquilo fosse pintado pelo mal”, revela. “Agora, vou selar esta carta e enviá-la bem rápido, pois se eu relê-la não terei coragem de mandá-la”, completa Reagan. Em outra carta, o velho cowboy admoesta a filha Pat, que foi pega fumando aos 15 anos. Papai Reagan também dá conselhos ao primogênito Michael antes de subir ao altar. “Você nunca terá problemas se disser ‘eu te amo’ ao menos uma vez por dia.” Segundo Edmund Morris, “ele procura persuadir e não impressionar”.

Em cartas menos pessoais, Reagan expõe abertamente seu ideário político conservador, como naquela enviada em 1960 para o então editor da revista Playboy, Hugh Hefner. Nela, Reagan nega que tenha existido uma “lista negra” em Hollywood de atores considerados comunistas durante o macartismo, nos anos 50. O futuro presidente dá sua peculiar visão pessoal a respeito de liberdade de expressão: “Eu, como você, defenderei o direito de qualquer americano de pregar e praticar abertamente qualquer tipo de filosofia política, da monarquia à anarquia. Mas este não é o caso em relação aos comunistas”, pontifica Reagan.