01/10/2003 - 10:00
A ficha policial de Gumercindo Aguilar, um paraguaio de 46 anos, mostra que desde a adolescência ele esteve envolvido com pequenos delitos. Nunca foi nenhum bandido temido, mas também estava longe de possuir um passado que lhe permitisse votos de confiança. Na segunda-feira 22, seu corpo foi encontrado, já em estado de putrefação, morto com três tiros nas costas. Os disparos foram dados a curta distância e chegaram a atravessar seu corpo. Para a polícia, tudo indica que Aguilar foi assassinado porque sabia demais.
Em abril de 1999, ele conquistou seus dias de glória. Quando o Paraguai ainda vivia a comoção pelo assassinato do vice-presidente Luis María Argaña, que teria sido morto em um atentado em 23 de março, Aguilar compareceu ao Palácio da Justiça de Assunção, foi à sala do juiz Jorge Bogarín, responsável pelas investigações sobre o assassinato de Argaña, e contou uma história espetacular. Disse que meses antes havia participado de uma reunião, na cidade de Pedro Juan Caballero, da qual teriam participado diversas autoridades políticas do Paraguai, entre elas o general Lino Oviedo, ex-comandante do Exército. Nessa reunião, informou Aguilar, teria sido planejada a morte do vice-presidente, a um custo de US$ 10 milhões.
A história contada por Aguilar era tudo o que o juiz Bogarín queria ouvir. Desde o início, todas as investigações sobre a morte do vice-presidente Argaña foram conduzidas para incriminar Oviedo. Nenhuma outra possibilidade foi investigada. Aguilar, então, apesar do passado questionável, passou a ser tratado como a principal testemunha
de um processo até hoje não encerrado. Depois de prestar seu bombástico depoimento, Aguilar conseguiu um “emprego” como
eletricista na Presidência da República.
A versão apresentada por Aguilar era frágil e muito fácil de ser desmontada. Bastava investigar os passos dados pelas mais de seis pessoas que, segundo ele, teriam participado da reunião em Pedro Juan Caballero. Como não havia vontade política para isso, nada foi feito e por vários meses sua história foi tida como verdadeira. Aguilar chegou até a participar de uma reconstituição do atentado de 23 de março. O castelo de areia ruiu quando o jornal ABC Color, diário de maior tiragem do Paraguai, descobriu que personagens citados pela testemunha como participantes da reunião já estavam mortos há mais de cinco anos. “Ele nos enganou”, disse na época um resignado juiz Bogarín.
Quatro anos depois, o Caso Argaña voltou a ser polêmica no Paraguai. Em agosto, uma reportagem de ISTOÉ comprovou, após análise dos legistas Nelson Massini, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, e José Eduardo Reis, do Instituto Médico Legal de Brasília, que o atentado de 23 de março foi uma farsa, pois Argaña já estava morto horas antes de seu carro ser baleado em plena luz do dia. A reportagem repercutiu e, no Congresso paraguaio, parlamentares de oposição articulam como reiniciar as investigações, inclusive com denúncias à Organização dos Estados Americanos (OEA). É nesse contexto que Aguilar foi assassinado. No mínimo ele sabia muito bem para quem estava trabalhando quando concordou em prestar um falso testemunho. A última vez que foi visto com vida foi no sábado 20, quando saiu de sua casa no final da tarde.