26/10/2005 - 10:00
Reprovada pela maioria dos cinéfilos, a estratégia de colocar trilhas contemporâneas em filmes mudos está deixando de ser uma prática isolada – especialmente em noites de gala de festivais – para se tornar uma nova arma de lançamento. Veja o caso do cult O encouraçado Potemkim (1925), sobre o levante de marinheiros na Rússia czarista. Sua novíssima versão integral, mostrada no Festival de Berlim, em fevereiro, será exibida no encerramento da 29ª Mostra Br de Cinema no dia 3 de novembro, com acompanhamento da Orquestra Jazz Sinfônica, que executará a música composta pelo alemão Edmund Meisel, em 1926. Mas a obra-prima de Serguei Eisenstein tem outra trilha novinha, composta pelo duo dance inglês Pet Shop Boys, já nas lojas sob o título de Battleship Potemkim (EMI). A “sinfonia eletrônica” em 15 movimentos foi executada pela primeira vez em setembro do ano passado, quando 40 mil pessoas se acotovelaram na Trafalgar Square, em Londres, para ver o filme musicado ao vivo pela dupla, acompanhado da Dresdner Sinfoniker. A famosa seqüência do massacre na escadaria de Odessa ganhou andamento tecno ancorado em muitas cordas e coro heróico. Não raro, o sentimento impresso por Chris Lowe e Neil Tennant apenas sublinha o mostrado na tela – um pecado, em se tratando da concepção “materialista-dialética” do russo. Mas trata-se de um belo esforço criativo.
A empreitada do Pet Shop Boys tem antecedentes. Antes, o minimalista Philip Glass, habituado a escrever partituras para o teatro e a ópera, já havia musicado A bela e a fera (1946), de Jean Cocteau, e Drácula (1931), de Tod Browning, no último acompanhado pelo Kronos Quartet. Nome freqüente nos filmes de Peter Greenaway, Michael Nyman compôs temas para outra obra do período revolucionário soviético – O homem com a câmera (1929), documentário de Dziga Vertov. A música, infelizmente, não foi editada em CD, mas pode ser conhecida através do DVD editado pelo British Film Institut. Sob o selo BFI já saíram também Nosferatu (1922), de Murnau, com trilha de James Bernard, conhecido dos filmes da Hammer, e Um canto de amor (1950), de Jean Genet, revisto por Simon Fisher Turner. Convidada pelo Festival de San Francisco, nos Estados Unidos, a banda de alt country Lambchop criou canções para Aurora (1927), outra obra-prima de Murnau. Gostaram tanto da experiência que viajaram projetando o filme. “A princípio não achávamos que ia funcionar, mas acabou sendo um ótimo veículo para o tipo de música que fazemos”, disse o líder da banda, Kurt Wagner, que lançou as canções em dois CDs – Aw c’mon e No, yo c’mon. O melhor é que, como no caso do Pet Shop Boys, os discos sobrevivem muito bem sem as imagens.