Ódio e amor podem caminhar juntos? Para o jornalista e escritor científico americano Rush W. Dozier, com certeza não. Curioso em relação aos sentimentos humanos, Dozier, 53 anos, dedicou os últimos oito a estudar emoções negativas como a fobia e o ódio – que na sua opinião são semelhantes. Esta e outras teorias estão elaboradas no livro Por que odiamos (M. Books), que acaba de ser lançado no Brasil. Ali, ele explica não só o desenvolvimento do ódio no cérebro como a sua disseminação na sociedade. Dozier falou a ISTOÉ por telefone, em meio a uma das muitas viagens que faz em seu país, nas quais realiza conferências para diferentes grupos.

ISTOÉ – Por que um livro sobre o ódio?
Rush Dozier –
Durante os últimos oito anos, pesquisei as emoções negativas e como elas se processam no cérebro. Fiz um estudo mais profundo sobre o medo, e me chamou a atenção o fato de que a fobia (um medo obsessivo) é semelhante ao que chamamos de ódio. São emoções cheias de força destrutiva. Ambos ocorrem no sistema límbico – a área do cérebro onde se processam nossas reações mais primitivas de sobrevivência, como a prontidão para a luta ou para a fuga. O ódio é diferente da raiva, que é seletiva. Por isso, acredito que este seja o grande mal do século XXI. Temos que trabalhar para destruir esse sentimento violento de pequenos grupos.

ISTOÉ – Não são só pequenos grupos. O ódio não
tem um aspecto cultural?
Dozier –
Com certeza. Os sentimentos, tanto positivos quanto negativos, mudam de uma cultura para outra, mas há pequenos grupos dentro dessas culturas que se deixam dominar pelo ódio. Este sentimento deveria ser apenas uma desordem menor, não uma ameaça. Ele nasceu há milhões de anos para ajudar o ser humano em sua sobrevivência, localizando inimigos – em prol da vida e não da morte. Mas tornou-se uma fobia contagiosa que infecta grupos, nações, gerações e até crianças.

ISTOÉ – Como elas aprendem a odiar?
Dozier –
As crianças aprendem esse valor, consciente ou inconscientemente, dos adultos. O preconceito hereditário
é uma forma de ódio absorvida. Crianças que sofreram abusos,
por exemplo, desenvolvem o ódio como mecanismo de alerta,
como a fobia, para repelir o agressor.

ISTOÉ – O ódio tem, então, duas causas, uma natural,
de defesa, e uma social.
Dozier –
Exatamente. Esse é o preceito da psicologia moderna.
A psique humana é formada por uma combinação dos fatores
naturais com os fatores sócio-históricos.

ISTOÉ – Qual é a diferença entre uma atitude guiada pela ideologia e uma ação pautada pelo ódio?
Dozier –
Não acho que exista uma distinção clara entre as duas coisas.
O ódio pode infectar a ideologia, e exemplos clássicos disso são o fascismo e o nazismo. Ideologia não necessariamente envolve o ódio,
mas o ódio pode contaminá-la.

ISTOÉ – Se o ódio não se alastrar disfarçado de ideologia, de que outra maneira pode contaminar tanta gente?
Dozier –
Há várias maneiras porque o cérebro humano é complexo. Ideologia é um meio de transmissão. Mas há também situações de conflito, em que dois grupos brigam por um pedaço de terra, por exemplo. Como entre israelenses e palestinos. Quando as pessoas se sentem amarradas e ameaçadas no que acreditam ser seus territórios, suas casas, desenvolvem um ódio voraz.

ISTOÉ – O sr. acredita que o racismo e o preconceito sejam reflexos da ignorância cultural?
Dozier –
Com certeza. Quanto melhor se conhece uma cultura, uma nação, menor o estranhamento que ela causa e, consequentemente, menor o preconceito que ela pode gerar. A educação e a informação
são peças-chave no combate ao ódio. Quando conhecemos outro indivíduo ou outra cultura, respeitamos as diferenças e paramos de tratá-los como estereótipos.

ISTOÉ – O sr. vê ódio nos discursos de Bush?
Dozier –
Não exatamente. Na minha opinião, o presidente Bush tem feito o melhor para combater o ódio inerente ao atentado de 11 de setembro. Muita gente acha que ele só aumenta a ira de pessoas de outras culturas. Mas ele está fazendo de tudo para dissipar esse sentimento, mostrando que nem todos os muçulmanos têm a ver com o atentado.

ISTOÉ – O sr. não acha que, mais do que uma ação, o terrorismo é uma reação?
Dozier –
Não há dúvida. Todo sentimento intrinsecamente ligado ao ódio é uma reação. Isso porque determinadas atitudes machucam e, a partir disso, geram ódio como defesa a ataques futuros. Mas não podemos achar que, por ser uma reação a uma ação, o ódio terrorista se justifica. Temos exemplos na história de heróis que sofreram
e nem por isso reproduziram o modelo de ódio. Gandhi e Martin
Luther King são alguns.

ISTOÉ – Qual a diferença entre intolerância e ódio?
Dozier –
A intolerância é uma precursora do ódio. Não
necessariamente o envolve, mas o motiva. Pessoas intolerantes
a outras culturas são propagadoras de ódio em potencial. O
mesmo se passa com o preconceito.

ISTOÉ – Como amenizar o ódio?
Dozier –
A educação e a informação são nossas principais armas. Precisamos ensinar às nossas crianças. Ensinar-lhes sobre diferentes povos, culturas e raças para acabar com os estereótipos. Também acho importante dar mais relevância ao papel das mulheres. Elas disseminam amor com mais facilidade do que os homens. Sociedades com menor participação feminina são as mais violentas. Basta ver o exemplo do Taleban. Violência física é uma característica masculina.