01/10/2003 - 10:00
Na mitologia grega, quase nada se equiparava à força e à fúria de Zeus, também chamado de Júpiter pelos romanos. No domingo 21, Júpiter, o maior de todos os planetas do sistema solar, fez juz ao nome que empresta do poderoso deus de todos os deuses. Sua atmosfera tempestuosa engoliu para sempre a sonda Galileo, que, ao longo de uma jornada de 14 anos, revelou alguns dos mistérios do planeta gigante, cuja rotação em torno de si mesmo é tão veloz que um dia dura cerca de nove horas terrestres.
A sonda de US$ 1,5 bilhão se aposentou com galhardia. Conseguiu flagrar detalhes até então desconhecidos. Uma de suas façanhas foi registrar o anel de poeira cósmica que envolve o rei dos planetas e é muito parecido com aqueles que rodeiam Saturno. Outra revelação surpreendente foi o número de satélites que orbitam à sua volta. São ao todo 28 luas, algumas batizadas com os nomes dos amantes do sedutor Zeus, como Io, Calisto, Ganimedes e Europa.
A sonda Galileo herdou seu nome do astrônomo italiano Galileu Galilei, o primeiro a mirar seus olhos na superfície do planeta gigante, em 1610. A odisséia da sonda lançada ao espaço em 1989 pelo ônibus espacial Atlantis foi marcada por altos e baixos. Ela foi programada para vagar pela escuridão do Universo por um período variável entre dois e seis anos. Sua entrada na órbita de Júpiter foi em dezembro de 1995. Logo de cara, sua principal antena de transmissão falhou, o que obrigou os técnicos em Terra a lançar mão das câmeras de suporte, muito menores e piores. Sua casca metálica também sofreu as agruras da radiação excessiva do planeta, que afetou alguns dos equipamentos de bordo.
Vida alienígena – Galileo resistiu com bravura, aos trancos e barrancos. Testemunhou momentos importantes, como a queda de um cometa em Júpiter. Mostrou nos mínimos detalhes a superfície coberta de erupções em Calisto e algumas das crateras e os vulcões cuspindo lava e fumaça em Io. Entre as 14 mil fotos batidas pela sonda, as mais reveladoras foram as de sua incursão por Europa. As imagens mostram um oceano de água embaixo de uma crosta de gelo, o que leva a crer que ali exista possibilidade de vida alienígena. Foi isso, aliás, que traçou o destino de Galileo.
Sem combustível, a sonda poderia se desgovernar e tombar por engano em Europa, contaminando com micróbios e bactérias terrestres a superfície congelada do satélite. Por isso, os responsáveis pela sonda resolveram dar um empurrão para que ela caísse em Júpiter. Ali, seria engolida pela fúria das tempestades do rei dos planetas.
Para assistir à cerimônia de adeus à sonda que percorreu 4,6 bilhões de quilômetros, cerca de mil cientistas, engenheiros, técnicos e suas famílias se deslocaram até Pasadena, na Califórnia, onde fica o laboratório de Propulsão a Jato da agência espacial americana Nasa, a central de comando de Galileo. Olhos grudados em monitores de vídeo, os especialistas observaram o mergulho da nave não tripulada nas nuvens inescrutáveis de Júpiter. “Foi um final espetacular para encerrar missão igualmente espetacular”, descreveu uma das cientistas da missão, a brasileira Rosaly Lopes-Gauthier.
Tupã – Especialista no estudo de vulcões, Rosaly se deleitou com as imagens de erupções e nuvens de gás e poeira nas luas de Júpiter. Astrônoma formada pela Universidade de Londres e doutora em geologia de planetas, Rosaly trabalhou 12 anos na missão Galileo. “Tivemos resultados excelentes, que mostraram as características de Io, a lua que tem pelo menos 150 vulcões ativos e lavas muito mais quentes do que as terrestres”, explica a cientista. Essa descoberta pode ajudar também nas pesquisas na Terra. “Vimos em Io vulcões similares aos muito antigos da Terra e os vulcões ativos nos ajudam a entender como um planeta perde calor”, explica.
A astrônoma trabalha agora na missão Cassini, cujo objetivo é
estudar Saturno e suas luas. Mas deixou sua marca registrada
na órbita de Júpiter. Foi ela quem deu a um vulcão o nome de Tupã,
o deus tupi-guarani responsável pelas chuvas e trovoadas. Tupã é gigantesco, como tudo ao redor do deus dos planetas. Em um de
seus flagrantes, as câmeras de Galileo registraram a depressão de
75 quilômetros de largura do vulcão, todo ele rodeado de penhascos
com até 900 metros de altura.
Além de seu trabalho na Nasa, a astrônoma brasileira prepara um guia para quem pretende se aventurar pelos vulcões da Terra. “Visitar vulcões não deixa de ser um turismo científico interessante”, justifica. Com certeza é um bálsamo para quem não pode, como ela, ter uma visão privilegiada de uma odisséia pelo espaço.