01/10/2003 - 10:00
Nada menos que cinco mil funcionários incluídos na folha de pagamento do governo do Estado de Roraima recebiam, no total, R$ 70 milhões por ano. Só que esse contingente, correspondente a pouco mais de 10% dos 42 mil funcionários públicos do Estado – que tem apenas 330 mil habitantes, sendo 40% indígenas –, tinha uma particularidade. Recebia mas não trabalhava. O dinheiro, na verdade, nem chegava às mãos deles, em sua enorme maioria gente humilde que, segundo investigações conjuntas do Ministério Público Federal, do MP estadual e da Polícia Federal, nem sabia que era personagem de uma gigantesca maracutaia. Segundo as investigações, por trás dos gafanhotos, como a população de Roraima chama a turma “que come folhas de pagamento”, estavam todos os 20 deputados estaduais, conselheiros do Tribunal de Contas e outros funcionários graduados do Estado. “Fui surpreendido com a denúncia e as informações sobre o desvio de salários. E mandei tomar as medidas cabíveis”,
afirma o governador Flamarion Portela (PT-RR), reeleito em 2002,
que, na época do escândalo, era vice e assumiria o cargo após a
renúncia do então governador Neudo Campos, que disputou e perdeu
uma cadeira no Senado.
A tramóia era engenhosa. Os mentores da roubalheira conseguiam procurações das pessoas garantindo que os deputados iram “arrumar alguma ajuda” mensal. No passo seguinte, os “procuradores” passavam
a receber o dinheiro no Amazon Service Bank, empresa que era encarregada de pagar o enorme contingente de funcionários. Retirado
o dinheiro, um grupo pequeno ficava com a parte maior. Um deputado estadual, Jalser Padilha, de 31 anos, tinha procurações de 135 gafanhotos que totalizavam R$ 243 mil mensais, dos quais ele embolsava quase tudo. Jalser, que era radialista, tem hoje uma enorme mansão em Boavista. O esquema foi montado durante o governo de Neudo Campos, que comandou o Estado por oito anos, de 1995 a 2002. Segundo Flamarion Portela, a descoberta do trambique deixou à mostra uma sangria equivalente a 10% do Orçamento do Estado, 80% bancados
pela União. “Na verdade, na teoria, todos eram funcionários de um
quadro enorme. Bastou fazer recadastramentos de pessoal que 2.500 desses gafanhotos sumiram, não se apresentaram. Com relação ao
fato mais grave, o desvio do dinheiro, primeiro mandei cancelar o contrato com a Amazon feito pela Secretaria de Fazenda sem meu conhecimento”, afirma o governador. O passo seguinte foi transferir
todas as contas do Estado para o Banco do Brasil. O pagamento dos funcionários passou a ser feito por cartão eletrônico. “Acabou a farra
das procurações dos gafanhotos. Como o cartão é individual, ninguém pode sacar o dinheiro de outro”, garante.
Mas o governador sabe que por trás de esquemas organizados de desvio do dinheiro público está a própria estrutura de pessoal do Estado. Depois que deixou de ser território, Roraima manteve uma curiosa forma de contratação de funcionários públicos, sempre sem concurso. “Chegamos ao absurdo de 42 mil funcionários públicos, mais de 10% da população atual. Isso tinha que acabar”, afirma. O governador comenta que, em um primeiro momento, teve que manter todos os funcionários nas funções. “Eles não tinham culpa de terem ingressado no serviço público pela nomeação pura e simples, esquema montado pelo primeiro governador eleito, Otomar Pinto, e mantido pelo seguinte. Mas era fundamental institucionalizar o Estado e isso só poderia ser feito através dos concursos, como manda a lei”, garante. Este mês, o governo realizou o primeiro concurso público para o funcionalismo de Roraima. Foi um festival de inscritos. As dez mil vagas oferecidas atraíram 110 mil candidatos, praticamente toda a mão-de-obra ativa de Roraima. Entre os candidatos estão os 22 mil funcionários recadastrados e 1.500 policiais civis. “Só vai ficar quem passar nas provas”, garante Flamarion Portela. Apenas com o concurso, ele enxugará o quadro em mais de 13 mil pessoas. As três empresas públicas, que hoje têm 2,5 mil funcionários, também terão que fazer concurso, reduzindo o quadro no final”, afirma o governador.
Flamarion Portela garante que, daqui para a frente, terá que desenvolver o Estado, criando condições para geração de empregos, absorvendo,
por exemplo, o pessoal que vai ser demitido do quadro de funcionários. Ele confia que o programa Vale Alimentação, que dá R$ 60 por mês a
mais de 50 mil famílias no Estado, contribua para ativar o comércio e
a produção. “São mais de R$ 3 milhões mensais injetados na economia local. Em um Estado pequeno como o nosso, é uma quantia significativa,” comenta. O governador destaca ainda que medidas tomadas no final do ano passado, como a anistia fiscal e a de devedores de programas habitacionais, obedeceram à mesma lógica de estímulo à economia.
“Não quero polemizar, mas meu adversário na eleição, o ex-governador Otomar Pinto, me processou durante a campanha. E todos os processos foram derrubados no Tribunal Regional Eleitoral. A Justiça me deu
razão”, comemora o governador.