01/10/2003 - 10:00
Por guardar características muito particulares e, na maioria das vezes, nada populares, a música instrumental é injustamente desprestigiada, pouco ouvida e, consequentemente, pouco conhecida. Talvez desmotivado por esta constatação, o maestro paulistano Nelson Ayres – que já gravou e tocou com gente como as cantoras Astrud Gilberto e Flora Purim, o baixista Ron Carter e o pianista César Camargo Mariano, entre outros – há mais de 20 anos vem ensaiando o lançamento de um novo álbum solo. Agora, finalmente ele tomou coragem e gravou o sensível Perto do coração, seu primeiro trabalho em CD, trazendo composições novas e outras recicladas pelo seu talento de pianista que vem acompanhado de dez músicos do primeiro time. A inédita que dá nome ao disco é o melhor cartão de visitas para quem se permitir mergulhar num requintado mundo de notas musicais. Trata-se de uma quase modinha, trabalhada com um tom de tristeza nostálgica do piano e do acordeão de beleza felliniana, porém atemporizada pelo delicado time de cordas.
Choro do adeus, outra composição recente de Ayres, dissemina um som bossa-jazz. Quase esquecida na sua década, Coração vagabundo – uma das mais belas músicas da primeira fase da carreira de Caetano Veloso – ganha cadência jazzística e, nas mãos de Ayres, praticamente se transforma em outra canção. Mantiqueira é uma regravação, a única com voz no disco, agora interpretada por Renato Braz, um bom cantor que precisa se desvencilhar do papel de Milton Nascimento. Só por amor, de Baden Powell e Vinicius de Moraes, privilegia os solos de clarinete, a princípio melodiosos para depois embarcarem nos improvisos mais secos do jazz. A mudança é sutil. Em seguida vem Dindi, de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira. Ouça e entenda como só a melodia diz tudo.