Pouco lido nos dias de hoje, o escritor, poeta e dramaturgo francês Victor Hugo (1802-1885) foi uma verdadeira celebridade na Paris do século XIX. Conta a lenda que os funcionários das gráficas brigavam a tapa pelas primeiras páginas de seus livros – algo hoje parecido, guardadas as proporções, com a chegada de um novo Harry Potter, por exemplo. Prova de sua popularidade é que, mesmo tendo sido relegado à poeira das bibliotecas, Victor Hugo felizmente não se limita a uma marca de bolsas e carteiras. Difícil encontrar quem nunca ouviu falar de Quasímodo, personagem do seu romance O corcunda de Notre Dame, lançado em 1831. Ou que não tenha tido vontade de desembolsar alguns trocados para ver o musical Os miseráveis, baseado em seu livro de maior sucesso, lançado em 1862, e que há mais de duas décadas percorre o mundo com estrondoso sucesso, tendo ganho até montagem nacional.

Fazendo jus a tanto sucesso, esse gigante da literatura francesa teve uma vida que em nada fica a dever às tramas rocambolescas que imaginou e cujo estilo ajudou a moldar o romantismo na literatura. Para alguns críticos, hoje em dia muito de sua obra pode ser considerada excessivamente melosa ou prolixa, chegando a dar uma idéia mitificada e idealizada do povo, notadamente da pobreza. O que é verdade. Mas nada disso importa ao escritor francês Max Gallo, autor da alentada biografia de Hugo que chega ao Brasil dividida em dois volumes, Tomo I: 1802 – 1843 – Eu sou uma força que avança! (420 págs., R$ 59) e Tomo II: 1844 –1885 – Este um sou eu! (462 págs., R$ 59).

Nascido em Besançon, o escritor era o caçula de três irmãos. Seu pai, Joseph-Léopold-Sigisbert Hugo, era um militar bonapartista e mulherengo, e sua mãe, Sophie Trébuchet, que também tinha um amante, vivia viajando atrás dele. O comportamento dos dois certamente influenciaria Hugo, que a partir de uma certa idade viveria cercado de amantes. Graças a essas viagens, ele morou criança na Espanha e na Itália. De volta à França, logo chamou a atenção dos professores ao escrever e traduzir poemas. Aos 17 anos, fundaria o jornal Le conservateur littéraire, inspirado em uma publicação editada por seu ídolo, o poeta François Chateaubriand. Não demorou para o próprio Chateaubriand interessar-se pelo admirador, tornando-se um ardoso fã de Hugo. Seguiu-lhe o próprio rei da França, Luís XVIII, que, ao tomar conhecimento da sua primeira coleção de poemas, premiou-o com uma pensão.

Ao lançar o primeiro romance, Han da Islândia, aos 21 anos, Hugo já havia casado com Adèle Foucher e vivido mais uma cena digna de romance. Ambos eram virgens e consta que na noite de núpcias Hugo teve nove relações seguidas com a mulher. Do lado de fora seu irmão Eugéne, com um histórico de problemas mentais e secretamente apaixonado pela cunhada, sofria uma crise histérica. Eugéne nunca mais se recuperaria, morrendo 15 anos depois em um hospício. A tragédia se repetiria mais tarde com um dos cinco filhos de Hugo. A caçula Adèle, apaixonada perdidamente por um militar, passou a segui-lo pelo mundo, acabando por suicidar-se em 1915 depois de passar anos completamente enlouquecida.

POPULARIDADE Transformado
em musical cheio de efeitos, Os miseráveis, (acima), que já teve montagem brasileira, faz sucesso há 27 anos

Até 1830, o escritor tolerou a indiferença da esposa e suas infidelidades, concentrado que estava em sua vida literária. Mas no auge do sucesso como romancista e poeta – estava escrevendo O corcunda de Notre Dame – conheceu a atriz Juliette Drouet, que seria sua amante de toda a vida. Durante 48 anos mantiveram uma intensa correspondência e procuravam passar juntos todos os aniversários de seu primeiro encontro. Hugo sobreviveria a Adèle e a Juliette. Enquanto tinha uma infinidade de casos. Blanche Lavin, por exemplo, o levaria a um infarto em 1878, após cinco noites seguidas de romance, cuidadosamente relacionadas por Gallo. Outra jovem que lhe viraria a cabeça seria a célebre atriz Sarah Bernhardt, 42 anos mais nova, que conheceu Hugo já setentão. Longe das mulheres, ele também se notabilizou. Eleito deputado em 1848, durante a Segunda República, Hugo discordaria do golpe dado pelo príncipe Luís Napoleão, em 1851, passando 20 anos exilado na ilha de Guernesy, no Canal da Mancha, em Luxemburgo e em Bruxelas. Ao morrer em 1885, era uma glória nacional. Seu cortejo fúnebre foi acompanhado por mais de um milhão de pessoas e seu corpo repousa no Panteão, construção dedicada a alguns poucos – lá estão os restos dos filósofos Voltaire e Descartes e dos escritores Alexandre Dumas e Émile Zola.