21/02/2007 - 10:00
DE VOLTA À ESCOLA Selma (em primeiro plano, à esq.),
Onorina, Adelina, Ednalva e Maria do Carmo e a classe
de EJA em Itapecerica da Serra
São quase sete horas da noite da quarta-feira 14 e Onorina de Jesus Santos, baiana da cidade de Gandu, prepara-se para sair. Ela vive no Jardim Branca Flor, em Itapecerica da Serra (SP). Depois de passar roupa, arrumar a casa, visitar a irmã Adelina e fazer o jantar (“arroz, feijão e frango assado”), ela veste o uniforme e espera. A campainha toca. Sua irmã chegou – é hora de ir para a escola. Dona Onorina, mãe de Antônio e avó de Diego, tem 70 anos. Em poucos minutos, está tendo aula de português na Escola Araucária, a uma quadra de casa. A lição? Esse, e, ele, eme, a. Selma. “Escrevi o nome das minhas amigas”, diz, sem esconder a satisfação de quem aprendeu a escrever o próprio nome nessa altura da vida.
Dona Onorina foi convencida pela irmã mais nova a freqüentar as aulas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), oferecida na rede pública às pessoas que não fizeram ou abandonaram os estudos e, agora, têm necessidade e disposição para enfrentar o quadro-negro. Ex-empregada doméstica, Adelina Lima de Jesus, 58 anos, é consultora da empresa de cosméticos Natura. Viúva, ela também retornou aos bancos escolares para lidar direito com os pedidos das clientes, essenciais para a sobrevivência de sua família. “Antes, minhas filhas sempre me ajudavam a fazer as contas. Mas elas cresceram e eu senti falta de saber ler e escrever”, conta Adelina. Estimulada por um programa de responsabilidade social da Natura, o “Crer Para Ver”, ela convenceu a si própria e a várias amigas do bairro a se matricularem nas aulas de EJA da escola local. Hoje, freqüentam juntas o segundo ano do ensino fundamental. Na turma atual, além da irmã, Adelina estuda português e matemática com as domésticas Selma Maria de Lima, 47 anos, Ednalva Mendes dos Anjos, 45, e a agente administrativa da Prefeitura Maria do Carmo de Souza, 56. “Eu sempre tive vergonha de falar que não sabia ler. Hoje, me sinto melhor por saber até escrever”, diz Maria do Carmo.
Histórias como essas têm se repetido por todo o Brasil. Somente as consultoras da Natura – são mais de 547 mil em todo o País – incentivaram mais de 100 mil pessoas a voltar a estudar nos últimos dois anos. Em 2006, foram às aulas 102.645 alunos. Destes, 40,5 mil matricularam-se no ensino fundamental no Nordeste. No Ceará, segundo Estado com maior adesão ao programa, 11 mil adultos reaprenderam o ABC e a tabuada. Em São Paulo, foram quase 22 mil. A idéia central é melhorar a qualidade de vida e as perspectivas das pessoas. “Quem não consegue ler tem uma inserção social muito limitada”, diz Maria Lúcia Guardia, gerente de Educação e Sociedade da Natura.
Além do corpo-a-corpo com os alunos potenciais, as consultoras vendem produtos específicos (canecas, camisetas, embalagens e cartões) sem ganhar comissão. A empresa também não tem lucro nessa linha e destina os recursos obtidos para a melhoria do ensino, fornecendo material didático. De 1995 a 2005, foram levantados R$ 21 milhões. Para incentivar os alunos de EJA a ler livros, a Natura fechou uma parceria com três ONGs – Ação Educativa, Alfabetização Solidária e Cenpec – e irá fornecer 50 títulos a 1.500 escolas de várias regiões. “Só a união de esforços pode transformar o Brasil”, diz Maria Lúcia.
Ela tem razão. Os resultados dos últimos levantamentos do Ministério da Educação – o Saeb, o Enem e o Censo da Educação Básica – mostraram que a qualidade da educação no setor público vai de mal a pior. Do ensino fundamental ao médio, houve aumento da evasão escolar e piora no desempenho dos alunos nos últimos dez anos. Isso, num período em que o Brasil deveria ter aumentado a qualidade de sua mão-de-obra para enfrentar a competição global. Por isso, grandes empresas focaram seus projetos sociais em educação.
O Banco Itaú tem diversos projetos em parceria com ONGs e prefeituras. Desde 1999, já envolveu 1.238 cidades no Programa de Melhoria da Educação no Município. “Procuramos influenciar as políticas públicas e criar condições para a melhoria do ensino”, afirma o vice-presidente Antonio Matias. A Fundação Bradesco mantém 40 escolas em todos os Estados. Nos últimos 50 anos, já formou e capacitou mais de 620 mil alunos. Gente como Érica Alexandra Bertolon Neves, 32 anos, que concluiu o ensino médio na escola da fundação em Osasco (SP) em 2004 e passou no vestibular de letras na Universidade de São Paulo. “Meu sonho é ser professora”, diz. É disso que o Brasil precisa.
“É PRECISO TER CONTINUIDADE” |
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O governo Lula está certo ao enfocar a qualidade do ensino básico como uma prioridade. Mas não pode mudar as regras de novo, como se fez nos últimos anos. É o que diz Denise Aguiar Alvarez Valente, diretora da Fundação Bradesco, a maior escola particular – e gratuita – do Brasil.
Qual é o grande nó da educação?
O primeiro é o tamanho do País. É um continente com 50 milhões de alunos na escola pública e dois milhões de professores. E uma diversidade cultural muito grande. Foram construídas escolas para todos, mas não houve uma estrutura para suportar esse aumento. Outro problema é a continuidade.
Por quê?
Educação é um processo. A criança entra na escola e você só vai medir esse resultado quando ela sair depois de 13 anos. Por isso, não dá para cada governo mudar tudo. O primário virou ensino fundamental. O colegial virou ensino médio. Para que mudar tudo sempre? Precisamos de continuidade.
O governo Lula acena com um pacote com enfoque na educação básica.
É uma coisa meio óbvia. Se não houver qualidade, quem vai chegar na universidade pública? Só os alunos que freqüentaram uma boa escola privada.
Por que a escola pública vai mal?
O professor não é respeitado. Não gosta do local de trabalho. O aluno não sabe a postura de estudante. O professor não cobra uma postura comportada do aluno. E os pais não sabem os direitos que têm perante a escola, não sabem que podem cobrar se o professor faltar muito. É um círculo vicioso, que só será rompido com liderança e conscientização.