O presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, foi logo avisando: não falaria de taxa de juros, nem de câmbio, nem de inflação. Os 120 presidentes de grandes empresas que já o esperavam por mais de uma hora no salão nobre de um hotel de luxo em São Paulo, no início da tarde da segunda-feira 25, nem tiveram como lamentar. Afinal, as normas do BC impedem que membros de sua cúpula façam declarações sensíveis no período que antecede a divulgação da ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), como era o caso. Devidamente blindado da artilharia do setor produtivo que se reunia a seus pés, Meirelles pôde conduzir o encontro sem ter de, a cada minuto, justificar o patamar da taxa de juros ou projetar sua expectativa para o comportamento diário dos índices econômicos (com a curiosa exceção do episódio descrito no texto da página seguinte).

Meirelles falou, então, do futuro. Anunciou nada mais nada menos que um período “histórico” de crescimento sustentado para o Brasil. Descartou a repetição de um vício da economia brasileira nas últimas duas décadas: arrancar rumo ao crescimento para logo depois parar bruscamente. Citou Carlos Drummond de Andrade – as onipresentes “pedras no caminho” – e João Cabral de Melo Neto – “um galo sozinho não faz a manhã” – para invocar a participação dos empresários no esforço de crescimento. Detalhou sua receita para chegar lá, baseada em estabilidade e atração de investimentos, e marcou a data de início da arrancada definitiva: “a partir do último trimestre do ano”. As condições para a retomada já estão dadas, segundo o presidente do BC.

De fato, a curva de desempenho da economia brasileira já deixou para trás seu ponto mais baixo. A divulgação da retração do Produto Interno Bruto (PIB) na quinta-feira 28 deu números finais a um processo que as empresas e as famílias brasileiras já sentiam na pele. O segundo trimestre do ano teve uma queda de 1,6% em relação ao primeiro, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em relação ao mesmo trimestre do ano passado, a retração chega a 1,4%. Tecnicamente, segundo a maioria dos economistas, o País fechou o primeiro semestre do ano vivendo uma recessão. O setor industrial foi o mais atingido, com queda de 3,9% no segundo trimestre, depois de já ter amargado um freio de 2,4% nos primeiros três meses do ano (sempre na comparação com o trimestre anterior). A boa notícia é que os 12 meses encerrados com o primeiro semestre registraram 1,6% de crescimento, mais ou menos o que se espera do ano de 2003 completo. “Os resultados refletem os ajustes monetário e fiscal que o governo foi obrigado a implementar para debelar os choques adversos ocorridos em 2002”, justificou uma nota divulgada pelo Ministério do Planejamento.

Os sinais de que a retomada já começou estão espalhados pelos
diversos setores da economia. A própria nota do Ministério assinala alguns, como a redução dos estoques da indústria paulista, a aceleração dos pedidos às empresas de embalagem (um termômetro eficiente da atividade econômica) e a alta utilização da capacidade instalada em alguns setores da indústria. Até o desemprego, embora permaneça
num nível trágico, deu um bom sinal. Entre junho e julho, a pesquisa Seade/Dieese revelou uma queda de 13,2% para 12,7% no índice de desocupados. “Parece que a indústria obterá resultados positivos a
partir deste mês”, confirma a diretora da Federação das Indústrias
de São Paulo (Fiesp), Clarice Messer.

Binóculo – O mercado financeiro, que sempre mira meses à nossa frente, tem vivido de ótimo humor. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) vem batendo alguns recordes, como o de pregões positivos consecutivos ou de maior alta em um só dia. Na semana passada, o índice superou os 15 mil pontos, o que representa um salto de 50% em relação a fevereiro, quando mal passava dos dez mil pontos. É difícil encontrar alguma Bolsa de Valores no mundo que tenha se valorizado tanto este ano.

São dados que, bem amarrados, sustentam o desejo de Meirelles, mas não extirpam o raquitismo da nossa economia. “O verdadeiro determinante do crescimento de longo prazo é o nível de investimento”, disse o presidente do BC, que aposta na redução contínua do risco-país para tornar o Brasil novamente atraente ao capital produtivo estrangeiro. “Ainda temos um risco elevado em consequência de fatores herdados do passado”, afirmou, antes de citar o histórico de déficits do setor público, a prática quebra de contratos e a pouca participação do externo na economia. “Alguns críticos do atual governo têm insistido veementemente para que repitamos erros desse tipo. Não o faremos.”

“O obstáculo da inflação foi superado, mas o crescimento sustentado dependerá do comportamento da economia mundial, do avanço das reformas e do estabelecimento de um marco regulatório adequado para atrair investimentos”, avalia o economista Marcelo Allain, executivo de planejamento estratégico da Nestlé. “O País precisa continuar fazendo as reformas, mantendo um câmbio favorável para as exportações e fazendo a lição de casa principalmente na questão fiscal”, diz o economista americano John Williamson. É preciso também que Meirelles e seus companheiros de Copom continuem a baixar os juros, como fizeram há duas semanas com o surpreendente corte de 2,5 pontos na Selic. Será uma pedra a menos no caminho do setor produtivo e um grande alívio ao sofrimento dos milhões de Severinos desempregados.

 

Bom momento

O economista americano John Williamson é um velho conhecido dos brasileiros. Professor da PUC do Rio de Janeiro entre 1977 e 1981 e autor de vários livros sobre economia, foi colega do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan e teve como aluno mais ilustre o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga. Na semana passada, ele voltou ao País a convite da Fundação Armando Álvares Penteado para ser o palestrante de um seminário sobre o atual momento da economia brasileira. Concedeu a seguinte entrevista a ISTOÉ:

ISTOÉ – Qual a sua avaliação sobre a atual política de juros, câmbio, estabilidade e crescimento do governo Lula? Estamos no caminho certo?
John Williamson –
Sim. O Brasil está no caminho certo,
apesar da demora em reduzir as taxas de juros. Mas é melhor
agir devagar do que rapidamente e ter de volta uma crise como
a do final do ano passado.

ISTOÉ – É possível o País manter uma curva
de crescimento sustentável?
Williamson –
É o que todo País deve tentar. Manter uma curva de crescimento constante é o desejo de todos, mas poucos conseguem. Vamos esperar para ver como vai se sair o Brasil.

ISTOÉ – Muito se tem falado sobre a rigidez da política monetária implementada pelo ministro Palocci…
Williamson –
Política monetária e fiscal rígidas garantiram o bom momento da economia até agora. A estabilidade só não está consolidada por causa da forte crise do ano passado.

Lino Rodrigues

 

Cobrança de fatura

A provocação partiu do presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, Abram Szajman. Escalado para fazer uma pergunta a Henrique Meirelles, o dono do Grupo VR foi direto na veia. “Quando é que nós vamos ter uma redução no spread dos bancos? Os cartões de crédito cobram até 190% ao ano…”, questionou. Meirelles transferiu o golpe ao presidente do Bradesco, Márcio Cypriano. “O representante do setor bancário na mesa certamente está interessado em responder isso.” Cypriano não respondeu, mas devolveu a provocação a Szajman. “Ele só falou dos juros do cartão porque o Banco VR não tem cartão.” Separados pelo presidente da Bovespa, Raymundo Magliano, os banqueiros seguiram batendo boca (de forma bem-humorada, registre-se). Szajman encerrou a contenda dizendo que seu banco não oferece cartões, pois teria “vergonha” de cobrar 190% de juros ao ano.

Os 120 presidentes de companhias que acompanham o evento riram, mas a questão é muito séria. A população, de fato, não entende como uma taxa de juros oficial de 22% ao ano vira 190%, para usar o exemplo de Szajman. O governo Lula vem insistentemente pedindo que os bancos reduzam a margem de lucro nos empréstimos – o tal do spread. As instituições financeiras reagem afirmando que já fazem isso. Um estudo da Febraban diz que o spread médio era de 62% em 1999, enquanto hoje é de 31,5%. É verdade, mas ainda é um índice alto, como a própria entidade reconhece. Culpar os bancos é fácil e não é de todo errado, mas a ciranda dos juros é alimentada em vários pontos, inclusive pelo governo. O desarranjo das contas do País o obriga a tomar dinheiro no mercado pagando juros altos. Os bancos dão seu próprio impulso à ciranda até que a própria inadimplência, efeito primordial das altas taxas, vira causa. Para se proteger do calote, os bancos acabam por aumentar os juros, que geram novos inadimplentes, que forçam a alta nos juros, que geram novos inadimplentes… O resultado aparece na fatura.

João Paulo Nucci