08/08/2007 - 10:00
Conhecer Tóquio era um sonho antigo do webdesigner carioca Marcelo Fernandes, 30 anos. Na semana passada, ele pôde concretizar o desejo graças a uma passagem que ganhou em um concurso. Faturar assim um presente desses seria um belo motivo para comemorações, porém Marcelo optou pela discrição e não alardeou muito seu feito. Afinal, para isso teria de revelar sua "identidade secreta". Marcelo é cosplayer. Ou seja, pratica cosplay, hobby em que as pessoas se vestem e interpretam personagens de videogame, mangá (quadrinho japonês) e anime, os desenhos animados. Ele e sua noiva, Thaís Jussim, venceram um campeonato classificatório para o equivalente a uma Copa do Mundo de cosplay, marcado para este domingo, no Japão. Que ninguém pense que isso é pura diversão. O casal irá enfrentar concorrentes de 12 países em busca do segundo título do Brasil no torneio. No ano passado, os irmãos paulistas Mônica e Maurício Olivas faturaram o primeiro lugar. Ou seja, não falta pressão.
A fantasia de Marcelo – com a qual venceu no Brasil – é o personagem de um desenho já exibido na Rede Globo e no canal Cartoon Network: Inu-Yasha. Foram três meses para aprontar vestimenta, perucas, acessórios e figurino da encenação que faz parte desse tipo de concurso. Thaís, 24 anos, vestiu-se de Sesshoumaru, irmão de Inu-Yasha. No total, gastaram perto de R$ 2 mil. "Já disputei vários concursos e tive outras vitórias", conta Thaís, que já fez 43 cosplays. No Rio de Janeiro, há ao menos um evento por mês para cosplayers. "Têm pessoas que não entendem que muita gente gosta de se fantasiar desse modo. Às vezes digo que faço teatro", conta Marcelo.
Fazer cosplay é uma prática que se alastra pelo País. No Orkut, são mais de 400 comunidades, com participação de pessoas de norte a sul do País. E há festivais de mangás e animes em que cosplayers comparecem em peso. A graça está em encontrar amigos, conhecer outros fãs (apelidados de otakus) ou simplesmente chamar atenção. Em São Paulo e no Paraná, onde há colônias japonesas, há um intenso calendário de festas. Porém, até lugares como Bahia e Distrito Federal contam com convenções para fanáticos pelos animes (pronuncia-se animê). E eles não são poucos. A editora JBC, especializada em cultura japonesa, vende mangás para todo o País. "Os maiores mercados estão em São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Porto Alegre", diz o editor-executivo Júlio Moreno. Os mangás são a porta de entrada para um mundo maior. A partir deles, surge o anime, a j-music (música), o game, a camiseta, o cosplay. "A força do mangá é tão intensa que os leitores quiseram incorporar o personagem. Foi por isso que o cosplay virou um hobby", diz Moreno.
A extravagante maneira de se vestir da juventude de Tóquio – com acessórios multicoloridos ou vestimentas inspiradas no século XIX – também influencia pessoas de diversos países. "Não é uma moda de uso diário. Nos finais de semana, os jovens vão com roupas convencionais para os pontos de encontro, só que trocam e se maquiam mesmo na praça, na frente de todos. Não é cosplay, mas é como colocar uma fantasia", afirma Cristiane Sato, autora do recém-lançado Japop – o poder da cultura pop japonesa. A estilista Thais Losso, da grife Sommer, esteve em Tóquio em fevereiro e, em maio, no Fashion Rio, apresentou uma coleção com temática oriental. Contratou cosplayers e exibiu vídeos do popular desenho Naruto em seu desfile. "Busco inspiração no comportamento e nas atitudes que estão em alta, e a cultura japonesa voltou a estar na moda."
Em São Paulo, jovens também capricham para mostrar seu estilo. A estudante Thaís Watanabe, 18 anos, vai a baladas roqueiras onde pode adotar o visual kei, um tipo de punk japonês. Ela e a amiga Beatriz Shimohara, 17 anos, já fizeram cosplays, mas gostam de um estilo mais urbano. Na Liberdade, reduto oriental da cidade, otakus se reúnem em frente à estação do metrô. A estudante Roberta Hermenegildo, 14 anos, costuma usar lentes de contato coloridas e tiara com orelhas de gatinho. Seu amigo Eduardo Salerno, 16 naos, anda com cosplay do popular personagem Naruto.
Por aqui, o mangá é conhecido desde os anos 70, mas só na década de 80 a produção virou cult. Nos anos 90, o Ocidente passou a consumir mais mangás e animes como Pokémon, um autêntico furacão global. "No Brasil, o interesse voltou a crescer devido ao sucesso lá fora", diz a pesquisadora Sônia Luyten, autora de Cultura pop japonesa – mangá e anime. "Antes, o Japão não estava preparado para essa repercussão que a cultura pop causou. Agora, está."
O governo japonês percebeu em 2005 que deveria cuidar melhor desse filão. Era o que mostrava o faturamento da indústria de entretenimento, que triplicou nos últimos dez anos. Em 2006, as exportações de produtos culturais atingiram US$ 15 bilhões. Por isso, os ministérios das Relações Exteriores e da Cultura foram incumbidos de dar foco à cultura pop e à gastronomia, segmentos considerados de extrema importância para o país. Foram criados programas de apoio à publicação de mangás e subsídios para a produção de animes. Neste ano foi instituído um "Nobel" para autores estrangeiros de mangás. Houve 146 candidaturas de 26 países e quem faturou o troféu foi um chinês. "É curioso. O Japão, que sempre foi conhecido pela tradição, agora é conhecido pelo pop", diz Jo Takahashi, diretor da Fundação Japão, entidade internacional sob tutela do Ministério das Relações Exteriores.