20/08/2003 - 10:00
Os ares-condicionados de Nova York pararam às 16h20 da quinta-feira 14. Os termômetros marcavam 30ºC e a umidade relativa do ar era de 90%. A sauna iria piorar com a cidade toda sem energia elétrica. O nome de Osama Bin Laden passou pela cabeça daqueles que estavam sendo retirados dos prédios, trens de metrô e elevadores parados. Só se teve um pouco de refresco quando as autoridades foram às rádios anunciar que o terrorista nada tinha a ver com a situação. Aliás, os rádios de pilha foram as vedetes do apagão, uma vez que os telefones celulares não funcionavam. Até a tarde do dia seguinte, não se sabia
ao certo a quem cabia a culpa do sumiço da eletricidade. De concreto, tinha-se apenas a certeza de que este apagão iria para o livro dos recordes, ocupando a posição de o maior da história dos EUA ao atingir uma gleba de terra que compreendia os Estados de Ohio, Pensilvânia, Nova Jersey, Connecticut, Vermont e parte de Massachusetts. Além de Otawa e Toronto do lado canadense. Um total de 50 milhões de pessoas foi obrigado a encarar o calor africano durante ao menos 12 horas, perdendo tudo o que tinha estocado nas geladeiras e, como em Manhattan, tendo de dormir na rua, como mendigos, sem possibilidades de transporte para casa. A maior surpresa, porém, foi que os esperados incidentes de saques e badernas ficaram restritos ao mínimo, com
Nova York dando exemplo de civilidade e calma. Muito diferente do apagão em 1977, quando a cidade ardeu com as fogueiras de incêndios causados por saqueadores.
O que se viu pelas ruas de Manhattan foi a antítese da fama local. Parte de população civil se investiu de autoridade, ajudando a escoar o tráfego nos cruzamentos sem semáforos, dando certa ordem ao caos do trânsito, além de distribuir água, alimentos e medicamentos. “Depois dos ataques de 11 de setembro, nós nova-iorquinos estamos preparados para enfrentar crises”, reconhecia o prefeito Mike Bloomberg. A observação pode ser verdadeira, mas não significa que os sacrifícios foram enfrentados facilmente pela população. Multidões de andarilhos procuravam chegar a pé nos subúrbios e bairros distantes do centro. Houve quem só atingiu seu destino com o sol a pino. “Cheguei em Nassau County depois de andar por dez horas”, disse Paul Desmond, um agente de turismo que trabalha perto de Times Square e mora em Long Island. Quando Paul abria a porta de casa, apenas alguns trens de subúrbio e ônibus funcionavam e toda a rede de metrô estava parada. O prefeito aconselhou a população a tirar folga na sexta-feira.
Mas as equipes de reparação de serviços trabalhavam contra o relógio. “Estamos verificando uma a uma as estações transmissoras de energia, para ver o que foi danificado com o apagão”, disse a ISTOÉ Kenneth Klapp, porta-voz da ISO distribuidora independente de energia. “Temos de reativar cada segmento da malha de energia separadamente e com muito cuidado para que não se feche novamente o fornecimento de carga. Do contrário teremos outro blecaute”, disse. Kenneth também repetia o que as autoridades americanas divulgavam sobre as causas da falta de energia. “Houve um acúmulo de carga muito grande numa transmissora ao norte das cataratas de Niágara, já em território canadense. A rede de energia foi montada com um sistema de proteção que vai fechando cada usina em casos como este, para que não se danifiquem as instalações de modo irreparável. É um sistema cascata, que vai caindo como uma fileira de dominós”, afirmou. Os dois lados da fronteira apontavam dedos acusadores um para o outro. Os americanos diziam que o problema começou numa usina no Canadá. Os canadenses alegavam que um raio teria atingido e torrado a usina de Niágara, do lado do Estado de Nova York. As investigações, conduzidas pelos dois países, devem sentenciar o verdadeiro culpado em breve.
Os prejuízos da escuridão ainda são incalculáveis. Como disse na sexta-feira 15 o governador de Nova York, George Pataki, “ainda não estamos fora do túnel. Quando sairmos da escuridão, vamos começar a contabilizar as perdas”. Não serão poucas. As Bolsas de Valores deram sorte ao fechar o pregão da quinta-feira antes de as luzes se apagarem.
No dia seguinte, os geradores garantiram os negócios. A maior operadora da internet, Norquick, instalada em Nova Jersey também usou geradores para manter a rede. Do contrário, 78% do mundo teria ficado sem conexão. Mas nem todos têm geradores. O restaurante Cafe Bella Vista, no Bronx, perdeu US$ 50 mil em mercadorias naquela noite. Comerciantes pequenos e grandes faziam liquidações instantâneas de produtos que iriam perecer com a falta de refrigeração. Um sorvete na rua 42 normalmente custa US$ 1,25, mas estava saindo por 25 centavos. Houve quem tentasse lucrar com a tragédia, como um vendedor de água pedindo US$ 5 a garrafinha morna. Água, porém, era produto escasso, não apenas em Nova York, mas também em Cleveland, no Estado de Ohio, onde se notou a maior crise de água da história, com um milhão de pessoas atingidas. Em várias outras localidades, o problema se repetiu. E o pior é que a meteorologia previa 35 graus centígrados para Nova York e umidade relativa do ar fincada em 100%. As autoridades, porém, proibiam o uso de ar-condicionado, sob a pena de novo apagão.
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