O que é melancolia? Uma palavra mofada em épocas atemporais de depressão? O primeiro a responder foi o reitor e vigário Robert Burton (1577-1640) em A anatomia da melancolia (1621), um êxito editorial. É esta obra que costura o mais recente livro do escritor gaúcho Moacyr Scliar, Saturno nos trópicos, a melancolia européia chega ao Brasil (Companhia das Letras, 274 pág., R$ 29). Não é romance ou ficção, mas um cuidadoso tratado sobre a gênese da melancolia no mundo. A leitura fascina pela erudição e pelo detalhado levantamento de informações culturais que se conectam. Um exemplo é a correlação astrológica entre humores e planetas estabelecida pelos autores árabes do século IX. Na visão deles, a melancolia seria regida por Saturno.

Em meio a fatos surpreendentes, Scliar menciona o surto especulativo e maníaco desencadeado na Holanda em torno das tulipas, entre 1633 e 1637, quando a peste bubônica se espalhou por várias cidades holandesas. O autor também enfatiza os traços melancólicos que os brasileiros herdaram de Portugal, nítidos no fado e na palavra saudade, originária do latim solitatem, ou solidão, e inexistente em outros idiomas. O mais novo imortal da Academia Brasileira de Letras ainda pinça Paulo Prado, para quem o brasileiro é fruto de três raças tristes: o português, o índio e o africano. Nossas marcas de alegria – o futebol e o Carnaval – seriam “antídotos à tristeza”. Ao final, só é difícil concordar com a sugestão de que os brasileiros são melancólicos. Mas Moacyr Scliar compensa com uma leitura saborosa e muito elucidativa.