A diabete é uma doença traiçoeira. Na maioria dos casos, os sintomas surgem aos poucos. Boca seca, sede
em excesso, vontade frequente de urinar e cansaço. Com o tempo, ela mina as forças do organismo e compromete a qualidade de vida.
Podem ocorrer complicações que levam ao infarto, insuficiência renal, cegueira
e até a morte. No Brasil, calcula-se que dez milhões de pessoas sejam vítimas
do problema. No mundo, o número chega a 150 milhões.

A diabete é caracterizada pela incapacidade de o organismo aproveitar
a glicose (açúcar) proveniente dos alimentos e a existente no próprio corpo. Isso acontece por falta ou dificuldade na produção ou absorção
da insulina, hormônio fabricado pelo pâncreas com a função de abrir as portas das células para a entrada da glicose. Chamada de combustível das células – é ela que fornece a energia para que essas estruturas funcionem –, a glicose pode ser tóxica se alcançar taxas elevadas no sangue. Na diabete, como o acesso às células está impedido porque
a “chave” não está disponível, ocorre esse acúmulo. Há dois tipos da doença. No tipo 1, não há a produção da insulina. Calcula-se que
cerca de 10% sejam vítimas dessa disfunção. No tipo 2 – a mais
comum –,o hormônio é fabricado no início da doença, mas o corpo desenvolve resistência à sua ação. Sobra glicose no sangue e, para reagir a isso, o pâncreas produz mais insulina, até esgotar sua capacidade de funcionamento.

Apesar da gravidade do problema, a medicina ganha cada vez mais batalhas. Uma das boas notícias vem da área de medicamentos. O laboratório Aventis Pharma lança nesta semana, no Brasil, e em vários outros países a Lantus, a primeira insulina com ação 24 horas a chegar ao mercado. É uma ajuda e tanto. Diferentemente das insulinas disponíveis até agora, com ação média durante 16 horas, a glargina (princípio ativo da droga) irá manter os níveis do hormônio normais e constantes durante todo o dia, imitando o que acontece em um organismo sadio. Portanto, o remédio evita o desequilíbrio dos níveis da glicose e da própria insulina. Para os pacientes que precisam tomar pelo menos duas doses do hormônio por dia, a Lantus é um grande alívio. A partir de agora, eles poderão injetar o hormônio apenas uma vez – o que significa menos desconforto –, além de terem a certeza de que a diabete estará controlada 24 horas por dia.

Há outra vantagem. O remédio diminui bastante as chances de ocorrência das crises de hipoglicemia (baixa taxa de açúcar no sangue), cujos sintomas são mal-estar, tontura, desmaio e, em casos graves, até coma. O efeito colateral é comum às drogas atuais. Após o pico de atuação desses remédios, há uma queda abrupta de sua ação no sangue, o que pode provocar a hipoglicemia. “No caso da glargina, o desconforto praticamente não acontece, pois sua ação é lenta e duradoura”, afirma Jorge Gross, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O especialista testou a eficácia da Lantus em trinta pacientes, durante dois anos.

O mesmo benefício em relação às crises foi observado pelo endocrinologista Freddy Goldberg, do Hospital Heliópolis, em São Paulo. Num trabalho feito com 36 pacientes, ele comparou os efeitos da Lantus e de uma insulina com ação de 16 horas. “O grupo que usou a glargina teve 50% menos crises de hipoglicemia”, garante o médico. Esses estudos fizeram parte de um protocolo amplo de pesquisas, iniciado por aqui em 1998. Ao todo, 20 centros brasileiros participaram dos testes, que reuniram 700 pacientes. Os resultados comprovaram a eficácia da droga. Para seu efeito ser ainda melhor, os médicos poderão associá-la a insulinas de efeito ultra-rápido, tomadas antes das refeições.

A Lantus é vendida desde 2000 na Alemanha, chegou em 2001 aos Estados Unidos e no final do ano passado desembarcou na Inglaterra e na Irlanda. Outros laboratórios, porém, estão na corrida para produzir insulinas com efeito 24 horas. Um deles é o Novo Nordisk. O produto da empresa dinamarquesa está em fase de análise pelas agências de liberação de remédios e tem previsão de chegar às farmácias no ano que vem. Para o paciente, quanto mais opções de tratamento, melhor. O universitário paulistano André Falanca, 21 anos, é portador da diabete tipo 1 e já está usando a glargina (o produto podia ser importado). Antes, André aplicava as insulinas de efeito lento pelo menos duas vezes ao dia. “Estou satisfeito e me adaptando bem”, conta.

Pílula – André aplica o remédio com a tradicional seringa porque a prefere. Mas hoje existem dispositivos que causam menos dor, como as canetas. A tendência é livrar o paciente das picadas ou reduzi-las. Algumas empresas estão realizando estudos promissores sobre a eficácia de uma insulina inalada. O paciente inalaria o hormônio antes das refeições. Por enquanto, os testes clínicos estão indo bem, mas ainda não se sabe quando o produto estará disponível. No futuro, talvez os diabéticos também possam contar ainda com a pílula de insulina. A invenção é do laboratório GlaxoSmithKline. A empresa garante que a droga estará à disposição em 2006.

Outra frente de pesquisa é o desenvolvimento de remédios que, além
de controlar a diabete, previnam suas possíveis complicações. Um dos alvos, por exemplo, é combater a diabete tipo 2 e duas de suas
principais consequências: problemas cardíacos e acidente vascular cerebral (derrame). “Cerca de 80% dos diabéticos tipo 2 morrem de infarto ou derrame”, afirma Simão Lottenberg, do Hospital das Clínicas
de São Paulo. O remédio Rosiglitazona, da Glaxo, é um dos candidatos a essa múltipla ação. A droga é usada contra a diabete, mas nos últimos anos percebeu-se que ela teria um efeito protetor diretamente nos
vasos sanguíneos, o que contribuiria para a prevenção das complicações no coração e no cérebro. Um estudo americano mostrou que o produto reduz em 35% a mortalidade de diabéticos por infarto e derrame. Outras complicações graves, como lesão nos olhos e problemas nas pernas e pés, também poderão ser solucionadas no futuro – a empresa Eli Lilly
está procurando criar uma droga que iniba a ação da enzima PKC, responsável por essas consequências.

Remédios assim poderão evitar que muitos pacientes apelem para recursos mais agressivos, como o transplante de pâncreas ou de pâncreas-rins (indicado para situações nas quais os rins praticamente não funcionam mais). “Essa é uma saída para resolver o problema”, diz João Roberto de Sá, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Na instituição, foram atendidos 55 casos de transplante duplo com sucesso. A paciente Wilma Col, 38 anos, faz parte desse grupo. Portadora do tipo 1, ela seguia as recomendações médicas, mas suas taxas de açúcar não cediam. O primeiro sinal de que a doença estava vencendo foi quando Wilma precisou fazer hemodiálise, pois seus rins já não funcionavam como deveriam. No ano passado, ela fez a cirurgia. Hoje, os níveis de glicose se normalizaram. “Sofri muito. Não conseguia mais trabalhar e três gestações foram interrompidas por causa das complicações. Agora levo uma vida normal”, conta.

Doação – Na semana passada, outra modalidade de transplante foi realizada em Campina Grande do Sul, no Paraná. Pela primeira vez no Brasil, foi retirada uma porção mínima de um pâncreas de uma doadora viva. A doação foi de filha para mãe. A paciente, de 49 anos, entrava em coma toda semana por causa da doença. “Ela teria de esperar por um doador-cadáver por no mínimo dois anos”, explica João Eduardo Nicoluzzi, um dos médicos que participaram do procedimento. A mãe está sob observação e passa bem. A filha também.

A medicina pesquisa ainda a viabilidade do transplante de ilhotas de pâncreas (estruturas onde estão as células produtoras de insulina). Há vários estudos no mundo. No Brasil, um dos centros à frente dessa empreitada é o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, em parceria com a Universidade de São Paulo. O paciente recebe uma injeção de ilhotas, retiradas do pâncreas de um doador saudável. “É preciso realizar muitos estudos para saber se o tratamento dará certo”, ressalta o endocrinologista Freddy Goldberg, também coordenador médico do Núcleo de Terapias Celulares do Instituto de Química da USP. Por enquanto, a operação foi feita em uma paciente, que está bem. Os transplantes de pâncreas e de ilhotas só são indicados para casos extremos.

Essas conquistas foram possíveis graças ao melhor entendimento
da doença. Recentemente, por exemplo, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia divulgou um novo consenso sobre como deve ser o tratamento da enfermidade. Nele, há a orientação de realização, no mínimo a cada três meses, de um exame para medir as taxas da
chamada hemoglobina glicosilada, considerada um ótimo indicador da evolução da doença. “Quando está elevada, as chances de o doente
ter problemas decorrentes da diabete aumentam”, explica José Egidio
de Oliveira, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Também foi reforçada a necessidade de ficar de olho nos níveis de colesterol ruim, pressão arterial e triglicérides (outro tipo de gordura). “São fatores que podem piorar as consequências da doença”, afirma Fadlo Fraige Filho, presidente da Associação Nacional de Assistência ao Diabético.

Uma alimentação com pouca gordura animal e pouco sal, rica em verduras, frutas e legumes, e a prática regular de exercícios ajudam
no controle do problema. Mas mudar de hábitos não é fácil. A publicitária Helga d’Ottaviano, 32 anos, de Campinas (SP), procurou o apoio de
uma psicóloga para não cair em tentação. Há cinco anos, ela descobriu ser portadora do tipo 2 da doença, mas, como sempre adorou doces, ficou difícil passar longe das guloseimas. “Na última Páscoa, consegui
pela primeira vez não comer chocolate. A terapia está me ajudando
a resistir”, conta.

Perder peso também é fundamental. No Instituto Garrido, em São Paulo, muitos diabéticos que estavam no nível da obesidade mórbida (com riscos elevados de complicações na saúde) submeteram-se à cirurgia de redução do estômago, emagreceram e dominaram a doença. É o caso do aposentado Israel Lima, 52 anos. Ele pesava 118 quilos e sua taxa de glicose estava altíssima. Depois da operação, os níveis de açúcar se normalizaram e o peso caiu para 82 quilos. “Faço caminhadas sem me cansar ”, comemora. Para o médico Antônio Chacra, da Unifesp, livrar-se de quilos extras é importante para driblar a doença. “Já está comprovado que a obesidade e a diabete estão muito associadas”, afirma.

Os pacientes também devem buscar informações sobre a doença. Nas associações de diabete, por exemplo, é possível fazer cursos que ensinam como se alimentar melhor. A aposentada Isabel Maimoni, 54 anos, sabe a importância disso. Foi na Associação de Diabete Juvenil de São Paulo que ela aprendeu a se cuidar depois que descobriu ter diabete do tipo 2, há quatro anos. Um dos ensinamentos que mais usa é preparar guloseimas sem açúcar. Isabel encontrou uma forma de compensar outra perda: ter fechado sua loja de doces assim que a enfermidade foi diagnosticada.