13/08/2003 - 10:00
O Brasil não estava especificamente na rota de choque do Departamento de Segurança Nacional dos Estados Unidos quando no sábado 2 passaram a vigorar as novas medidas para o tráfego de passageiros nos aeroportos americanos. Mas o País foi sem dúvida um dos mais afetados pela suspensão temporária do programa “Trânsito sem Visto” – Transit Without Visa (TWOV) e Trânsito Internacional para Internacional – International to International Transit (ITI). Anualmente, dos 600 mil viajantes em trânsito pelos EUA, 90 mil são brasileiros agora obrigados a passar por uma entrevista na embaixada ou consulados para obter um visto de entrada. A entrevista só pode acontecer na embaixada em Brasília, ou nos consulados do Rio de Janeiro, São Paulo e Recife. Um turista do Mato Grosso, por exemplo, terá que pagar as passagens de ida e volta até uma destas cidades, uma taxa de R$ 35 por fornecimento de informações e mais US$ 100 pelo visto, o que encareceu ainda mais uma viagem ao Exterior. Os brasileiros com destino ao Canadá que fazem parada obrigatória na terra de Tio Sam formam o grupo mais afetado pela medida, segundo estimativas das autoridades americanas. Os que viajam ao Japão também constam dessa lista. Porém, não enfrentam sozinhos o inconveniente: apenas cidadãos de 27 países – a maioria da Europa – estão isentos do carimbo no passaporte. A nova ordem causará danos de US$ 200 milhões anuais para as já combalidas companhias aéreas americanas, sem contar os prejuízos de empresas de transporte aéreo estrangeiras. “A boa notícia é que esta regulamentação é, digamos, transitória: será implantada por 60 dias”, diz Dennis Murphy, porta-voz do Departamento de Segurança Nacional. “A má notícia é que existem considerações para essa obrigatoriedade de visto torne-se uma exigência permanente”, completa Murphy.
Rádios-bomba – A novidade do Departamento de Segurança Nacional está dentro dos padrões do pacote de leis antiterrorismo implantado no país depois dos ataques do 11 de Setembro. Curiosamente, os 19 árabes responsabilizados pelos ataques ao World Trade Center obtiveram visto legal e o 20º suspeito tinha cidadania francesa, ou seja, não seriam pegos com essa nova medida. Sobre esta questão, o consulado dos EUA em São Paulo respondeu a ISTOÉ que a inteligência americana identificou “grupos terroristas que estariam planejando explorar esses programas para ter acesso ao espaço aéreo dos Estados Unidos sem passar pelo processo de identificação dos consulados”. O Departamento de Segurança Nacional americano também alertou para os novos métodos terroristas. Uma das manobras engendradas seria o uso de telefones celulares, transformados em armas de choque. Outra adaptação imaginada é a transformação de rádios portáteis em bombas. “As suspeitas são de que entre quatro e cinco indivíduos fariam um roteiro de viagem usando cidades americanas para baldeação. Entrariam no país em trânsito, e quando seus aviões estivessem decolando ou aterrissando, os aparatos transformados em armas seriam empregados para explodir as aeronaves ou sequestrá-las para arremetê-las contra alvos no solo”, afirmou o porta-voz Murphy. Washington também enviou investigadores em segurança aérea para as cidades da Europa e da Ásia para tomar medidas contra possíveis ataques de mísseis portáteis.
Um dia após a medida anunciada, 30 brasileiros que iriam embarcar no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, para Tóquio, via Nova York, não puderam viajar. O rigor do visto fez com que a Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abavi) anunciasse alternativas para os vôos com escala nos EUA. “Em vez de Los Angeles, Nova York ou Miami, o turista brasileiro que se destina ao Japão, por exemplo, poderá fazer a escala em Paris. Só que a passagem poderá ficar de 10 a 15% mais cara”, afirmou o presidente da Abavi, Tasso Gadzanis. As escolas de inglês e universidades americanas também sofrem com a nova medida. O governo americano anunciou que dará prioridade aos estudantes e acadêmicos que precisam embarcar antes do mês de setembro, início do ano letivo nos EUA.
Superarquivo – Nem todas as fontes ligadas a serviços de inteligência ou segurança concordam que a ameaça de atentados em aviões seja o único motivo para a modificação nos procedimentos de passageiros em trânsito. O que alguns imaginam é que as autoridades americanas estejam fazendo um grande cadastro sobre todos os cidadãos do mundo que viajam. Ou seja, uma espécie de superarquivo contendo os padrões de comportamento de cada pessoa que cruze fronteiras. Isso, na racionalidade dos serviços de segurança, ajudaria a mapear trajetórias de suspeitos terroristas. Os novos cuidados na defesa dos americanos, porém, têm uma falha bastante óbvia. Ao isentar cidadãos europeus, as autoridades correm o risco de dar livre acesso a aeronaves e ao território nacional a pessoas como Richard Reid, vulgo “Homem do Sapato Bomba”, que em janeiro de 2002 por pouco não conseguiu acender o pavio de explosivos que carregava em seu calçado. Reid, de origem jamaicana e convertido ao islamismo radical, é cidadão britânico.