Por que as montadoras não reduzem os preços dos carros? É uma boa pergunta para o engenheiro de produção e professor José Roberto Ferro, que já deu aulas na Fundação Getúlio Vargas, onde fez mestrado em economia, e na Unicamp. Hoje ele é diretor do Lean Institute no Brasil, instituição sem fins lucrativos que, com nomes variados, atua em diversos países divulgando o conceito da administração enxuta (é daí que vem o Lean). Ele é especialista e estudioso da indústria automobilística. Confirma que a situação não está fácil no setor, que nenhuma montadora vai embora do País (também porque os custos
da retirada são altos) e sugere que, em vez de demitir 300 ou 400 operários do chão da fábrica, os executivos que comandam essas empresas tenham a grandeza de aceitar uma redução temporária
de seus salários. Nada contra o executivo, apenas a constatação
de que, para os custos da empresa, cortar centenas de operários significa muito pouco. Ferro está otimista: “As coisas vão melhorar
até o final do ano.” A seguir, trechos da entrevista:

ISTOÉ – Como o sr. analisa a situação da indústria automobilística neste momento?
José Roberto Ferro
– O que vem acontecendo é que nos últimos quatro ou cinco anos o mercado doméstico parou de crescer. Nós tivemos um pico em 1997 e, de lá para cá, só decrescemos. A produção não caiu mais por causa das exportações, principalmente para novos mercados. Além disso, as empresas investiram grandes volumes de recursos em novas fábricas, para expandir a capacidade produtiva. Nós estamos numa situação de dificuldade no mercado interno por conta basicamente da falta de crescimento da economia. Nos últimos dois meses, isso se agravou um pouco mais e surgiram os pátios lotados. Na verdade, foi a gota d’água de um processo que já vinha acontecendo há alguns anos.

ISTOÉ – A primeira pergunta do consumidor ao ver fotos e imagens dos pátios atulhados é unânime: por que as montadoras não reduzem seus preços?
Ferro
– Isso, na verdade, está acontecendo. O que aconteceu nesse último ano em particular é que todas elas vêm acumulando resultados negativos. O raciocínio das montadoras funciona mais ou menos assim:
eu tenho uma margem negativa de lucro, ou seja, em cada carro que eu vendo perco dinheiro. A única maneira de repor essa margem é aumentar o preço. Evidentemente o que elas esperam é que esse aumento não vá significar uma redução nas vendas. E o que aconteceu foi exatamente o contrário: aumentaram os preços e as vendas diminuíram ainda mais.

ISTOÉ – A redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), anunciada segunda-feira 4 e válida até novembro, é boa para o consumidor?
Ferro
– Não necessariamente. Os impostos estão muito altos, a
carga tributária no Brasil em geral é muito elevada. Qualquer medida nesse sentido é bem vinda. Mas essa redução pode ser repassada
para o consumidor e usada pelas montadoras para recuperar as suas margens. Portanto, isso pode não afetar o consumidor. Mas é uma
medida benéfica, necessária, só que deveria ser permanente, não transitória. Um dos problemas da indústria é essa política de
instabilidade. Isso não é bom.

ISTOÉ – O mercado parece não ter espaço para um número tão grande de montadoras. Por que elas estão aqui?
Ferro
– Porque o governo obrigou. Esse argumento de que elas são em número demasiado é um pouco falacioso. Na verdade temos montadoras
a mais e competição a menos. Várias companhias que não estavam no Brasil foram obrigadas a fazer investimentos aqui por conta do regime automotivo dos anos 90. O que temos agora é um mercado cheio de montadoras perdendo dinheiro.

ISTOÉ – Por que elas não vão embora, apesar das
ameaças constantes?
Ferro
– O que acontece é que algumas dessas empresas vivem uma situação difícil, mas sempre apostam no futuro. O custo de sair é muito alto, assim como é alto o custo de voltar. Então elas esperam a recuperação do mercado.

ISTOÉ – Mas o mercado também está conturbado em outras países. A Fiat, por exemplo, está pedindo água na Itália. A GM, maior do mundo, teve mais lucros nas operações financeiras do que na sua operação principal, de carros.
Ferro
– Podemos analisar caso a caso e chegar a situações bem distintas. A Fiat tem uma situação muito difícil no mundo. No Brasil, menos. A GM tem uma situação razoável, margens de lucro pequenas, custos altos no mundo inteiro. No Brasil é uma empresa mais ou menos equilibrada. A Volkswagen vem perdendo mercado e a Ford, entre as quatro grandes, é a que vem se recuperando, apesar de sua situação lá fora não ser muito boa. Das novas empresas que fizeram grandes investimentos, a Renault e a Peugeot têm dificuldades. A Honda e a Toyota, que fizeram investimentos menores, vão bem.

ISTOÉ – O sr. acha que o governo deveria ajudar essas empresas?
Ferro
– Eu acho que o governo não deveria atrapalhar. O papel do governo seria dar as melhores condições possíveis para ter uma situação de competitividade. O foco deveria ser criar condições para que a indústria faça o que ela deve fazer, que é olhar para o consumidor.

ISTOÉ – Quanto representa a mão-de-obra no custo
de uma montadora?
Ferro
– Entre 10% e 15% do custo total. As montadoras deveriam
ter sensibilidade para, numa situação de crise, de excedente de
mão-de-obra, dar um exemplo muito mais bonito, que seria o de os próprios executivos abrirem mão de uma parcela de seu salário por determinado tempo. Teria um impacto muito mais significativo sobre
o custo do que demitir 400 ou 500 trabalhadores da linha de montagem.
A redução é muito pequena. Quem são os responsáveis pelas decisões que a empresa tomou e geraram essa situação? São os executivos,
que deveriam ter a humildade para reconhecer e propor uma redução
de salário de 5% ou 10% até que a situação se normalize. Isso tem
um impacto muito mais significativo.