O acordo de fusão da Varig com a TAM acaba de se tornar realidade. Só falta marcar a data da cerimônia de assinatura do contrato, que depende das agendas dos ministros da Defesa, José Viegas, do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, e do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Carlos Lessa. Os arrastados meses de brigas jurídicas e desencontro entre as partes ficaram para trás. A junção das duas companhias aéreas agora conta com o apoio dos credores da bilionária dívida que desestabilizou as empresas nos últimos anos. O acordo tem o respaldo da GE, da Boeing, da Infraero, da BR Distribuidora e do Banco do Brasil e vai permitir a concretização plena da fusão até outubro. A fusão, histórica, era a única alternativa para salvar a aviação comercial do País.

A situação das empresas, sozinhas, era dramática. A Varig teve quatro presidentes nos últimos dois anos e chegou a 2003 com uma dívida de US$ 1 bilhão. A TAM, por sua vez, teve elevadas perdas com uma política de exploração do mercado doméstico e internacional acima da demanda – um erro estratégico cometido também pela Varig na década de 90. Em 2001, a TAM começou a ameaçar a hegemonia da Varig, mas diminuiu o número de vôos internacionais após os atentados de 11 de setembro de 2001. Depois de insistentes tentativas de reduzir suas dívidas, Varig e TAM chegaram à conclusão, no ano passado, de que não havia outra saída senão a fusão.

A proposta para o acordo da fusão foi elaborada pelo Banco Fator, em entendimento com as duas companhias. O mais difícil foi obter o apoio da Fundação Rubem Berta, que controlava a Varig e exerceu forte influência contra o negócio. O documento que prevê a fusão garante a manutenção das duas marcas, ambas reconhecidas no mercado internacional. A nova empresa surge como uma das maiores do planeta.

O tamanho não impede a redução de oferta de vôos, que está acima da demanda tanto no mercado doméstico quanto no internacional. O plano de negócios da nova companhia aérea será definido pela consultoria Bain & Company. Uma decisão já foi tomada: haverá demissões. Será adotado um plano de demissão voluntária e, pelo menos em parte, o passivo trabalhista da Varig poderá ser transformado em participação acionária dos funcionários na nova empresa. A Varig deverá ter 5% da nova companhia e ainda terá de renegociar passivos de US$ 1,2 bilhão com seus fornecedores. A participação da TAM poderá chegar a 30%, mas vai depender de negociações com os credores. O mercado brasileiro doméstico passa a ter três companhias: a que resultará da fusão TAM/Varig, a Vasp – que evitou perdas graves ao abrir mão dos vôos internacionais em 2001 – e a Gol, que também opera apenas na aviação doméstica. É o bastante.

O cardápio sumiu

Numa poltrona da classe econômica de um vôo da Varig de São Paulo a Paris o passageiro tem mais de dez horas para visualizar em pequenos detalhes a crise mais profunda daquela que, anos atrás, era um dos orgulhos dos brasileiros. O que se chama de poltrona são assentos estreitos que se amontoam uns sobre outros. Proibitivo para quem se aproxima de 1,80 metro, inclusive por questão de saúde. Supondo-se que esse passageiro enfrente o risco da síndrome da classe econômica (ou trombose) e consiga se encaixar, não poderá se mexer e ainda terá de conduzir todas as orações não só para que o vôo termine bem, mas, principalmente, para que o companheiro da frente não rebaixe o encosto. Beira o promíscuo. Vem a hora do jantar e o “conforto” do proletariado piora. Um e outro comissário admitem: a comida é horrível e está cada dia pior, regada a água e cerveja, diuréticos que seriam saudáveis não fosse a enorme dificuldade de se locomover de um assento na janela para o corredor que conduz aos banheiros. Vinho? Não tem, nem o velho Chateau Duvalier. Com o vísivel número de comissários reduzido, ter sede à noite não é recomendável. Enfim, amanhece. O movimento dos carrinhos insinua que o café da manhã será servido. Mais uma ilusão: vem o pão torrado em cima e gelado em baixo, um suquinho, um péssimo café e mais alguma coisa que lembra um sanduíche numa embalagem de alumínio. Os passageiros sabem que comida de avião é ruim mesmo. Mas a Varig passou da medida do tolerável e, ao que tudo indica, terá dificuldades de se ajustar ao padrão de serviço de bordo TAM, que tem vinho, três opções de refeição, cardápio, entrada (inclusive no café da manhã) e sobremesa. Com uma passagem de ida e volta na faixa de R$ 3 mil não dá para passar fome a dez mil metros de altitude, onde não há padarias na esquina.

Célia Chaim