13/08/2003 - 10:00
Nem quebra-quebra nem panelaço. As manifestações promovidas por grupos gays em várias capitais brasileiras contra a campanha que condena a união homossexual, lançada no dia 31 de julho pelo Vaticano, tiveram o beijo como arma de protesto. A comunidade do arco-íris realizou um irreverente “Beijaço”. Na capital paulista, esse protesto
se juntou a outro, contra a discriminação sofrida pelo jornalista João Xavier e o publicitário Rodrigo Rocha no Shopping Frei Caneca. Os dois foram repreendidos por seguranças após trocarem beijos no saguão. No domingo 3, mais de três mil pessoas se reuniram na praça de alimentação do shopping para uma troca de beijos coletiva.
O episódio, além de dar evidência ao processo afirmativo dos homossexuais, chamou a atenção para a região do shopping, que é reconhecida hoje em São Paulo pela programação cultural de alto nível e como a área preferida da comunidade cor-de-rosa. Fincado entre a av. Dr. Vieira de Carvalho, no centro, e da rua da Consolação, nos Jardins, o shopping Frei Caneca ajuda a compor um enorme corredor gay. A instalação deste centro comercial provocou um boom imobiliário na região. Desde a inauguração em 2000, mais de 40 prédios foram lançados na redondeza, sendo que a maioria dos apartamentos foi projetada, principalmente, para atender casais e solteiros. A estrutura das novas moradias e a efervescente cena gay das ruas próximas, marcada por dezenas de bares, boates e saunas, fez da região um reduto colorido. Entre as casas noturnas famosas, estão a recém-inaugurada Puerto Livre e o clássico Massivo.
Mas não foi sempre assim em São Paulo. Até o começo do século passado esse fenômeno era restrito à região do Vale do Anhangabaú, Arouche e República, no centro velho. A degradação dessa área provocou a migração desse público para bairros mais nobres, como Consolação e Jardins. Agora, com o projeto de revitalização do centro, lançado pela prefeitura em 2000, o movimento começa a fazer o caminho inverso. Mas embora a capital paulista tenha uma área grande e bem demarcada, outras capitais também apresentam áreas de concentração da comunidade gay. No Rio, a rua Farme de Amoedo, em Ipanema, exibe a maioria dos bares e boates GLBT (gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros), sendo o Bofetadas o mais famoso. Em Salvador, na Bahia, a ferveção acontece no bairro Barris, perto do centro. A badalada casa noturna Quixabeira é a nova sensação.
Lá fora, o fenômeno se repete. Cidades como Nova York e São Francisco, nos Estados Unidos, e Sydney, na Austrália, também passaram por esse processo. Até as décadas de 60 e 70, o bairro mais gay de Nova York era o West Village. Depois do episódio no Bar Stonewall, em 1968, quando a polícia agrediu um grupo de homossexuais, a comunidade gay se mudou para Chelsea, onde toda badalação é dirigida ao público GLBT. Já em São Francisco, o movimento que começou na Castro Street no século passado se espalhou por toda a cidade. Na Austrália, a cena gay de Sydney – que só perde para São Francisco em número de homossexuais – está sobretudo na Oxford Street, no bairro de Darlinghust. Em 1979, a cidade foi palco da primeira edição do Mardi Gras, o famoso carnaval gay. Além disso, em Sydney há uma praia inteiramente gay, a Tamarama.
“É bom que haja lugares na cidade de maior concentração de gays porque nos dá tranquilidade para ir ao supermercado de mãos dadas com o namorado sem ser incomodado. Esses guetos sem muros têm suas vantagens”, acredita o jornalista André Fischer, diretor do site Mix Brasil. Por outro lado, a delimitação geográfica pode acentuar ainda mais o preconceito e a discriminação. Em outras regiões da cidade de São Paulo, a demonstração de carinho entre parceiros gays choca e causa constrangimento, tornando-os alvo de atos de reprovação. Em alguns casos, até de violência. E isso pode ser agravado. “A minha utopia urbana é que essas ilhas não sejam mais necessárias e que essa população não precise fugir de perseguições. Na década de 60, em Londres, gays e heteros já frequentavam os mesmos bares e boates, enquanto em São Paulo havia duas boates gays na rua Augusta”, analisa o antropólogo Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia. Segundo ele, esses espaços privativos são uma resposta temporária à discriminação da sociedade, que impede os homossexuais de vivenciarem seu estilo de vida em qualquer ambiente.