Os críticos engoliram sua irritação e os mais pessimistas viram suas previsões desabarem como um castelo de areia. Pelo segundo ano consecutivo, Paris festeja este verão de céu muito azul e temperatura de até 40 graus com a praia na borda do Sena, o rio que corta a cidade mais visitada do mundo. Paris-Plage é o nome do evento que começou no dia 20 de julho e vai até 18 de agosto. É esquisito para um carioca, abominável para franceses mais rabugentos, uma farra para mais de dois milhões de pessoas. Tem
areia, muita areia – três mil toneladas para cobrir duas praias de 300 metros cada uma. Pensa que é sem graça? É nada. Num percurso de
três quilômetros há espaço para a prática de vôlei de praia, minipista
de atletismo, escaladas, atividades para crianças, concertos de música, quiosques de café e sanduíches, animações diversas e um sol que vai
até as nove horas da noite para bronzear a pele alva dos franceses.
Tem topless também, mas ninguém dá muita bola. E uma infra-estrutura de grande evento. Tudo foi montado em apenas três dias e três
noites por 800 pessoas.

O espaço utilizado pelos carros nas avenidas laterais ao Sena foi interditado e tomado por ciclistas, patinadores, skatistas. Contra o
calor – não é permitido se refrescar no Sena –, um labirinto aquático, duchas, muitas duchas. O orçamento da praia foi de 1,5 milhão de
euros – o mesmo valor do ano passado, com a diferença de que nesta edição 800 mil euros saíram do caixa de empresas privadas. O cenógrafo da Paris-Plage, Jean-Christophe Choblet, criou no jardim Tuileries instalações para a prática matinal de ginástica e um espaço para o café da manhã. Há ainda uma área para piqueniques. Os críticos que ironizam a Paris-Plage como uma iniciativa “gauche caviar” vão contra o que consideram a troca de uma política cultural por uma política de comunicação. Além disso, segundo os críticos, é uma festa que segrega os moradores do “banlieue”, a periferia da cidade, porque acontece
numa das regiões mais caras de Paris, entre a Pont des Arts, ao lado
do Louvre, e a Pont de Sully, pertinho da Ile St-Louis (onde um apartamento de 40 m2 pode custar o equivalente a R$ 1,5 milhão)
e do Marais, a região mais charmosa da cidade.

O sociológo Jean Viard, diretor de pesquisas do Centre d’Études de
la Vie Politique Française (Cevipof), disse ao diário “Libération” que
o sucesso da Paris-Plage se deve, em parte, à necessidade de as pessoas procurarem espaços não urbanos dentro da cidade. Ele lembra que o tempo livre dos franceses aumentou muito nos últimos 30 anos – em média, apenas 12% do tempo coletivo é dedicado ao trabalho.
Mais folga ainda: no verão as crianças não vão à escola, cerca de
45% das pessoas não viajam e os que viajam ficam fora em média
15 dias. “Paris-Plage criou na cidade um lugar de ruptura imaginária”, disse Viard. Sua sugestão é de que, no inverno, seja criada uma pista
de neve artificial numa das ruas íngremes de Montmartre, bairro boêmio, vizinho de Pigalle, berço do can-can e do famoso cabaré Moulin Rouge, onde santo mesmo só dentro da belíssima catedral Sacré-Coeur, aberta até às 11 horas da noite.