05/08/2003 - 10:00
Para muitos, tomar champanhe no selim de uma bicicleta poderia ser encarado como um atentado contra a elegância. O ciclista americano Lance Armstrong não está, porém, nem um pouco preocupado com a possível gafe. Com a taça na mão, o superatleta rasgou a avenida Champs Elisée e atravessou o lendário Arco do Triunfo, em Paris, para conquistar sua quinta vitória consecutiva na Volta da França, a mais tradicional e charmosa prova do esporte no planeta. Para se ter uma idéia da grandeza do feito, é como se um piloto de F-1 ganhasse cinco Grandes Prêmios de Mônaco seguidos. Em 100 anos de Tour de France, além de Armstrong, apenas quatro ciclistas obtiveram a façanha: o espanhol Miguel Induráin, o belga Eddy Mercks e os franceses Jacques Anquetil e Bernard Hinault. Destes, somente Armstrong e Induráin a conquistaram seguidamente.
Mas as subidas, descidas, vales, montanhas, ruas e estradas dos 3.427 quilômetros da prova estão longe de ser o maior desafio vencido por esse texano de 31 anos. Em outubro de 1996, Armstrong descobriu que portava câncer nos testículos com alguns reflexos no cérebro e nos pulmões. Diagnósticos apontaram remotas possibilidades de sobrevivência. Se ele escapasse, diziam à época os mesmos médicos, as chances de voltar a pedalar eram quase nulas. O ciclista não se deu por vencido. Encarou a doença como se fosse uma impiedosa ladeira dos Montes Pirineus, um dos trechos mais árduos da Volta. Dois anos e três operações depois, lá estava ele de volta. Em 1999, conquistou o primeiro dos cinco Tours. “Nunca houve um sobrevivente de câncer vencedor da Volta da França. É por esse feito que quero ser lembrado”, disse à revista americana Sports Ilustrated. Armstrong transformou-se num dos grandes símbolos da luta contra a doença no mundo. Criou uma fundação que pesquisa e dá amparo aos doentes. Recebe mensalmente – e responde – a centenas de cartas de pacientes. Seu lema é: “Não desista. Eu não desisti.”
Se depender dele, quem deve desistir são seus adversários. Horas após a histórica vitória, já traçava planos para vencer sua sexta Volta. Primeiro passo: dar um tempo nas competições nos próximos meses. Descanso merecido. Além da dura disputa com o alemão Jan Ullrich, que chegou em segundo e ficou a prova inteira nos seus calcanhares, nos últimos dias ele enfrentou problemas estomacais, quedas e até um processo judicial. O ciclista italiano Filippo Simeoni quer dele 100 mil euros (cerca de R$ 340 mil). Armstrong o teria chamado de mentiroso numa entrevista ao jornal francês Le Monde porque Filippo acusou o seu técnico, Michelle Ferrari, de “fraude esportiva e prática ilegal da medicina”. Mas Armstrong, que teve problemas mais dramáticos, deu de ombros. Só tem olhos para mais um título. “As dificuldades me motivam a buscar a sexta vitória.” É melhor deixar o champanhe no gelo.