O inverno nunca foi uma especialidade brasileira. Grande parte do território do País simplesmente desconhece mudanças radicais de temperatura. Privilégio histórico do Sul e de partes das regiões Sudeste e Centro-Oeste, a estação fria tem sido cada vez mais quente. O fenômeno é sentido especialmente em grandes áreas urbanas, locais onde a vegetação original deu lugar ao concreto. São Paulo, o maior mercado consumidor do País, teve até agora apenas um final de semana de frio intenso. A temperatura média em junho atingiu 15,5 graus, contra 12,4 graus da média histórica. As férias de julho também foram quentes na cidade, com média de 13,5 graus (contra os 11,7 graus habituais). E não há trégua prevista. A onda extemporânea de calor deverá seguir até o início da primavera, em setembro.

“Dos anos 50 para cá, a temperatura da cidade subiu em média cinco graus”, confirma o meteorologista Carlos Magno, diretor da Climatempo, que conversou com ISTOÉ na ensolarada manhã da terça-feira 29, sob 24 graus de temperatura. Certos negócios sofrem com a onda de calor. A fabricante de eletrodomésticos Mondial, por exemplo, pretendia desovar 80 mil unidades do seu aquecedor de ambientes ao longo dos três meses de inverno. Sob a atual circunstância, se as vendas atingirem 52 mil produtos, a diretoria da empresa promete comemorar abrindo um vinho – outro produto que, a julgar pelo tamanho das liquidações em voga nos supermercados, vendeu muito abaixo do esperado. “O consumidor só compra um aquecedor quando sente frio por um período prolongado, o que não aconteceu”, lamenta o diretor comercial e de marketing da Mondial, Giovanni Cardoso. Metade das peças vendidas teve como destino o Rio Grande do Sul, único Estado onde o clima foi equivalente à história, ao menos em julho. “O problema é que as frentes frias se desviaram para o mar na altura de Santa Catarina e do Paraná e não conseguiram atingir o restante do País”, diz o coordenador de Estudos de Clima do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Sobras – O desaparecimento do inverno hoje pega pouca gente de surpresa. Faz cinco anos que as temperaturas se elevam sistematicamente ao longo da estação – um fenômeno mundial, diga-se. Além disso, o arsenal à disposição dos meteorologistas consegue antecipar com grande grau de acerto a tendência da temperatura de um período – o que não significa e jamais vai significar certeza em relação às previsões climáticas. Cliente histórica dos serviços de previsão, a agricultura tem dado lições para o restante da economia. Cada vez mais empresas consultam os meteorologistas para criar suas estratégias. De porte ainda modesto, esse mercado já movimenta US$ 120 milhões por ano, segundo a Climatempo.

A Grippon, uma confecção com 12 lojas próprias, a maioria delas em São Paulo, vem sistematicamente reduzindo a produção de roupas de inverno. “Hoje nós fazemos metade do que há cinco anos. E ainda assim sobram produtos no estoque”, diz a dona do negócio, Vilma Carvalho, que passou julho com uma decoração inusual nas vitrines: roupas de inverno, verão e de meia-estação dividiam o espaço de exposição. “Hoje o inverno é um fator de risco”, avalia o comerciante Claudio Aslan, dono de um armarinho na tradicional rua 25 de Março, em São Paulo. “Nenhum comerciante foi com muita sede às compras de inverno”, diz Aslan, que só sentiu alguma força nas vendas de novelos de lã.

Mesmo todo o arsenal preventivo da meteorologia não evita que o clima pregue peças, mesmo entre os mais prevenidos. Até porque maio deste ano teve baixas temperaturas, o que criou esperanças de um inverno rigoroso entre os que dependem dele para sobreviver. A cidade de Campos do Jordão, refúgio invernal da classe média paulistana, teve um julho fraco em termos de vendas. “O fluxo de turistas foi maior, mas o comércio vendeu 20% a menos em relação a 2002”, diz José Carlos Fernandes, presidente da Associação Comercial. Faltou dinheiro no bolso dos visitantes, um sinal da retração econômica, e faltou o frio. A temperatura por lá, à noite, ficou entre 6 e 8 graus, quando eram esperados até quatro graus negativos durante as madrugadas. O frio moderado para os padrões locais travou a venda das onipresentes malharias e diminuiu o consumo de fondue nos restaurantes, entre outros efeitos nocivos ao bolso dos comerciantes locais.

Nos shoppings, teoricamente protegidos das intempéries, as liquidações de inverno começaram a aparecer há mais de um mês, ou 80 dias antes do final da estação. “A ausência de inverno traz dois efeitos nocivos: arrebenta o calendário de lançamento das coleções e satura o consumidor das liquidações”, diz o presidente da Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop), Nabil Sahyon. Sorte de quem não consegue dormir de pés gelados.