Ele está entre a cruz e a caldeirinha. É a situação do padre carioca João Machado Evangelho depois de lançar seu primeiro romance, O papa negro (Fissus, 272 pág., R$ 36), um exercício de liberdade que está trazendo sérias consequências à sua vida eclesiástica. Em “conversa fraternal”, o bispo da Diocese de Nova Friburgo (RJ), dom Alano, sugeriu a supressão de alguns trechos, como a menção à pedofilia e ao homossexualismo na Igreja. Mesmo concordando em alterar a segunda edição e aceitando a censura, padre Evangelho foi impedido de continuar dando aulas no Seminário Nossa Senhora Rosa Mística, em Nova Friburgo, de onde foi reitor de 1998 a 2002. “Não quero romper com minha Igreja”, desabafa ele, com fala mansa e professoral.

Aos 55 anos, ordenado há 27, padre Evangelho é também mestre em teologia pela PUC-Rio, tem quatro livros de poesia publicados e já ocupou a Secretaria de Educação de Rio das Ostras, balneário do norte fluminense. Depois da polêmica no meio eclesiástico, ele trata o assunto da censura com toda cautela, embora admita que esteja sendo posto “na geladeira”. Internamente, antigos colegas o têm acusado de sarcástico e desmoralizador. “Mas eu me sinto tranquilo”, afirma, confiante de que o mal-estar vai passar. A inspiração para o livro veio da idade avançada do papa João Paulo II e o consequente tititi em torno da sua sucessão. “Pensei, então, na chegada de um papa negro, para resgatar a dívida da Igreja com a África”, explica. Na trama, as idéias revolucionárias do novo pontífice causam turbulência no Vaticano. Questões morais e éticas, como o homossexualismo, a pedofilia, o aborto e o casamento entre divorciados, apimentam a obra.

Padre Evangelho é acusado de retratar personagens da vida real, mas assume a existência de pelo menos um fato verídico, o do padre Alberto – no livro chama-se Adalberto –, um tetraplégico proibido de ministrar os sacramentos. A história foi vetada. “Mesmo à revelia das orientações arquidiocesanas, tendo perdido por isso o uso da ordem, ele continua
a desenvolver sua missão de pastor”, diz o autor, num dos trechos sob censura. Outra parte que causou incômodo à Diocese de Nova Friburgo
é a relação homossexual entre dois religiosos, o Padre Guido e o monsenhor Rinaldi. “Estavam com as cabeças encostadas e conversavam com as mãos ternas e juntas (…) um suave beijo recolocou o tempo naquele espaço.” O padre João Machado Evangelho deixa claro que
O papa negro é uma ficção. E, apesar de ceder à tesoura, afirma
que seu livro simboliza o desejo de uma Igreja mais evangélica, que mobilize a esperança popular.