Sempre que se pensa em pop art, logo vêm à mente as coloridas latas de sopa Campbell’s e as Marilyns Monroe sorridentes do americano Andy Warhol. No entanto, foi na Inglaterra que o termo pop surgiu com a pioneira obra do gênero, a antológica colagem What is that makes today’s home so different, so appealing? (1956), assinada por Richard Hamilton, o primeiro artista a usar imagens de logotipos, pessoas e embalagens. Quem batizou
a irreverência da apropriação de elementos da cultura de massas foi
o crítico inglês Lawrence Alloway, dois anos depois. Para enfatizar este importante período da produção visual inglesa no século XX, a mostra
A bigger splash: arte britânica na Tate de 1960 a 2003 – que abre na quarta-feira 6, na Oca, Parque do Ibirapuera, em São Paulo – traz 13 obras de Hamilton. E, claro, a tela que nomeia a exposição, o ícone
pop A bigger splash (1967), de David Hockney, mostrando a dança das águas de uma piscina no exato momento do mergulho de um nadador.
Do mesmo artista, um dos maiores nomes da pintura em atividade,
vieram mais três quadros excepcionais, todos do precioso acervo
do famoso museu londrino.

É a primeira vez que a Tate organiza uma grande mostra na América Latina. Para não fazer feio, as curadoras Joanne Bernstein, gerente internacional de itinerâncias, e Catherine Kinley, curadora sênior, capricharam na seleção. No total, são 109 telas, gravuras, esculturas, fotos, instalações e vídeos, estes exibidos no Instituto Tomie Ohtake. Além dos trabalhos citados, há outras obras de igual envergadura, como Leigh Bowery (1971), retrato dramático que Lucian Freud, neto de Sigmund, fez do falecido artista performático; e o monumental Second version of triptych (1988), releitura da obra-prima Three studies for figures at the base of a crucifixion (1944), que traz as três deusas gregas Eumênides na horrorosa aparência de aliens, ambas de Francis Bacon, que comparece com mais três óleos de primeira grandeza. Só
pela presença da “santa trilogia” da pintura inglesa, representada por Hockney, Freud e Bacon, A bigger splash seria imperdível. Mas o
evento oferece muito mais.

A mostra, que acompanha a resistência da pintura por quatro décadas
de conceitualismos e tantas modas, também faz uma panorâmica da produção escultórica britânica. Começando pela renovação da New Generation, capitaneada por Anthony Caro, de Early one morning (1962), passando por nomes-chaves, como Barry Flanagan e Richard Long, até chegar em Tony Cragg e Anish Kaapor, entre outros. A bigger splash reserva ainda uma sala para as “escultoras vivas” Gilbert & George – dupla que se auto-retrata sempre de terno e aparência sisuda – e um segmento inteiro dedicado à fotografia. Termina com a geração marqueteira do YBA, ou Young British Artists, que tem em Damien Hirst, aquele que mergulha animais mortos em formol, o seu enfant terrible. O artista não comparece com seu bestiário nauseante, pertencentes ao acervo da Saatchi Collection. Sua presença é marcada com a irônica Last supper (1999), nunca exposta pela Tate, série de 13 gravuras que mostram embalagens de remédios com nomes de alimentos enlatados. No lugar do laboratório, Hirst imprimiu sua assinatura.

Perguntada se todos os grandes momentos da arte inglesa estão representados, a curadora Joanne Bernstein foi de uma concisão britânica. “Acredito que sim.” Ela conta que a idéia da exposição, feita em parceria com a BrasilConnects a um custo de R$ 2,5 milhões, nasceu em 2001, quando veio ao País conhecer os mais importantes museus brasileiros a convite do British Council. “Eu perguntava que tipo de mostra gostariam de receber da Tate e a resposta era sempre a mesma: arte britânica contemporânea. Fechamos com São Paulo por ser uma cidade muito cosmopolita, cuja bienal é formadora de um bom público para artes visuais.” Edemar Cid Ferreira, presidente do conselho da BrasilConnects, com 46 exposições no currículo, comemora mais este tento. “É a primeira vez que veremos toda a arte moderna inglesa reunida.”

Joanne Bernstein dá atestado de excelência para o conjunto de obras e garante que todas elas estão normalmente expostas nas quatro unidades da Tate. Ou seja: não veio nada de segunda linha. Ela só lamenta a ausência de Marc Quinn e Chris Ofili, representante inglês na atual Bienal de Veneza. Também se desculpa diplomaticamente pela escolha de apenas um “pequeno” Lucian Freud. A Tate tem mais seis. “Em compensação, trouxemos esse Kaapor, esse Cragg, esses três Gilbert & George”, aponta, entre bem-humorada e orgulhosa. O supra-sumo da tradição da modernidade casou bem com as curvas brancas da Oca. Créditos para o espetacular planejamento cenográfico de Daniela Thomas e Felipe Tassara, que criaram paredes avançando de um andar a outro, pontuadas por frestas mágicas e cores sinalizadoras.

Para facilitar a visitação, iniciada cronologicamente no segundo andar, uma outra passarela amarela serpenteia até o topo onde se encontram os Hamilton, Hockney, Bacon e o solitário Freud, que merece ser apreciado atentamente até que a “tinta se transforme em carne”, como diz o próprio. De Hamilton, veio a gravura Swingeing London (1967) – trocadilho com swinging (agitado) e swingeing (austero) –, que mostra a conhecida imagem da prisão de Mick Jagger por uso de drogas. Mas a atenção é logo roubada pela belíssima Mr. and Mrs. Clark and Percy (1970), cujo ar renascentista justifica a recusa de Hockney em ser chamado de pop, e A bigger splash, com seus suaves tons de azul cortados por pinceladas irregulares de branco. “Adoro a idéia de pintar algo que dure dois segundos”, disse Hockney.

A ambição em captar o “tempo que passa” foi radicalizada por Bacon,
um expressionista na aparência que, na essência, se autoproclamava um realista. A profusão de distorções a que submete os personagens de Seated figure (1961), Study for a portrait in a folding bed (1963) e Three figures and a portrait (1975), tendo como modelo o namorado George Dyer, convida à contemplação. Valendo-se de poses roubadas das fotos de Eadweard Muybridge, estudioso dos movimentos do corpo humano,
e de manuais de radiologia, Bacon preferia fazer retratos de memória. “Gosto dos meus modelos e não quero praticar na frente deles a violência que lhes faço nos meus trabalhos”, justificava. Diante de imagens
tão fortes e dilaceradas, melhor inverter a ordem e deixar o início
da mostra para o final.