05/08/2003 - 10:00
O governo Lula já sabe que ingredientes usar para tentar tirar o País da recessão e fazer a economia voltar a crescer ainda em 2003. O objetivo é religar os motores do transatlântico de bandeira verde-e-amarela que passou os últimos seis meses navegando lentamente nas águas turvas da recessão, da baixa arrecadação de impostos, do desemprego, da tensão social e da desaceleração industrial provocada pela queda nas vendas do comércio. São medidas de curto, médio e longo prazos a serem anunciadas ainda este mês pelos ministros da área econômica na esperança de retomar o crescimento. O sinal positivo para que as medidas sejam adotadas e reaqueçam a economia será dado pelo Congresso nas votações das reformas previdenciária e tributária previstas para as próximas semanas.
A aposta do governo é na aprovação das emendas que mudam as aposentadorias do setor público e o sistema de arrecadação de impostos – o que dará uma folga fiscal ao Tesouro. Se vencer no Parlamento, o Planalto vai aguardar outra boa notícia do Conselho de Política Monetária (Copom), que na quinta-feira 31 divulgou a ata da última reunião quando reduziu os juros em 1,5%. No documento, o Copom garante que o corte na taxa Selic não irá comprometer as conquistas do combate à inflação e indica que a queda dos juros é irreversível. Na ata, o BC faz uma rara aposta no futuro: “O Copom permanece atento à evolução do nível de atividade e avalia que o quadro de desaceleração recente tende a ser revertido a partir do segundo semestre deste ano.” Do Conselho Monetário Nacional (CMN) o governo espera a redução nos depósitos compulsórios dos bancos, na esperança de crescimento do crédito. Outro ingrediente para fazer o navio Brasil zarpar é a retomada dos financiamentos engavetados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O primeiro da fila será a encomenda de quatro petroleiros para a Petrobras, no valor de US$ 228 milhões, com recursos do Fundo de Marinha Mercante. A construção dos navios vai gerar ainda este ano dois mil empregos diretos e outros dez mil indiretos.
Projetos como este fazem parte do Plano Plurianual (PPA), o pacote de grandes obras de infra-estrutura e transportes já definido pelo governo para os próximos cinco anos, e que servirá de norte para o planejamento de investimentos de longo prazo das empresas. Um deles é a construção, por estaleiros nacionais, de outros 20 navios petroleiros, além da duplicação da BR-101 no Nordeste, da recuperação e ampliação de portos e da implantação de ferrovias e hidrelétricas. “Com isto daremos início ao projeto de desenvolvimento”, anunciou na semana passada o ministro do Planejamento, Guido Mantega. Junto com o PPA, o Palácio do Planalto vai enviar nos próximos dias ao Parlamento a proposta de Orçamento da União que prevê custeio e investimentos de R$ 409 bilhões, 4,5% maior que a deste ano.
A receita básica de curto prazo definida pelo governo – reduzir juros, cortar compulsório e liberar os financiamentos engavetados pelo BNDES – é a mesma recomendada pelos empresários e até pelo Fundo Monetário Internacional, cujos representantes estiveram em Brasília na semana passada elogiando a capacidade do governo Lula de cortar despesas. Só o fato de o governo ter definido esta estratégia de curto prazo para a política monetária está levando os bancos a reduzir as taxas reais de juros cobradas no cheque especial e no financiamento às compras do consumidor, além de encher de esperanças os dirigentes de entidades empresariais. É o que está acontecendo entre os comerciantes.
O arrocho dos juros provocou uma queda de 9,89% no faturamento real de bens de consumo duráveis (eletroeletrônicos, eletrodomésticos e automóveis, por exemplo ) entre janeiro e maio deste ano. Mesmo assim, com a provável redução da taxa de juros na próxima reunião do Copom, o último trimestre pode mostrar a retomada das vendas do comércio. “A recuperação econômica geral vai demorar um pouco mais e ocorrerá de forma mais sustentável em 2004. Mas no varejo o reaquecimento ocorrerá ainda este ano”, prevê o economista Carlos Thadeu de Freitas, diretor da Confederação Nacional do Comércio (CNC).
O mesmo clima de otimismo toma conta do setor industrial. Mesmo temendo turbulências com a base política do governo no Congresso, onde enfrenta dificuldades para aprovar as reformas, os dirigentes da Confederação Nacional da Indústria (CNI) estão esperançosos de que ainda este ano haja uma redução significativa no índice de ociosidade do parque industrial. O primeiro semestre recessivo não tirou do empresariado a esperança de crescimento na virada do ano. “Estão criadas as condições para o abrandamento da política monetária e, quando isto acontece no Brasil, a economia reage rapidamente”, lembra o presidente da CNI, Armando Monteiro, que também é deputado federal (PTB-PE).
O deputado Delfim Netto (PP-SP) destacou que, além das medidas econômicas, o governo tem na liderança do presidente Lula mais um forte instrumento para mobilizar os investidores. “O desenvolvimento é um estado de espírito que ocorre quando milhares de indivíduos acreditam no dirigente político e decidem investir. E Lula tem esta capacidade de mobilização”, elogiou Delfim. Na quinta-feira 31, o presidente demonstrou esta liderança. Reuniu-se na casa do ministro José Dirceu, chefe da Casa Civil, com os líderes da base governista no Congresso para tentar apressar a votação das reformas da Previdência e tributária.
Impaciência – Mas nem todos estão pacientes. O presidente da General Motors do Brasil, o argentino Walter Wieland, disse na semana passada, em São Paulo, que a indústria automobilística vive o seu pior momento em 80 anos. Ele cobrou do governo definições estratégicas, e não ações pontuais, para os próximos cinco meses. “A indústria automobilística não é uma fábrica de pizzas. Fabricar carro é complexo e precisamos de medidas de longo prazo”, protestou Wieland, insinuando que a GM pode até deixar o País. Também surpreenderam o governo na semana passada as declarações do industrial Eugênio Staub, presidente da Gradiente, primeiro empresário a apoiar o ainda candidato Lula. Ao deixar a reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que aconteceu em São Paulo na segunda-feira 28, Staub desabafou: “Temos que fazer algo que mude a situação rapidamente em curto prazo.” E sugeriu medidas como a redução da taxa de juros dos atuais 24,5% para 15%, o reajuste cambial para elevar o dólar a R$ 3,50, investimentos em habitação popular e redução do compulsório dos bancos.
No Congresso a oposição faz jogo duro com o governo Lula. O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), exagerou, comparando a crise
atual às turbulências que levaram à queda de João Goulart em 1964. O líder do PFL na Câmara, José Carlos Aleluia (BA), faz coro nas críticas. “Tenho informações de que, mês a mês, estão caindo os investimentos novos no Brasil, por força desta falta de definição do governo Lula”, criticou. Até o deputado Waldemar Costa Neto (SP), presidente do PL, partido do vice-presidente da República, José Alencar, criticou Lula por ter anunciado o “espetáculo do crescimento”, apesar da estagnação
da economia. Roberto Jefferson (RJ), líder do PTB na Câmara, não vê motivos para alarme. “Há recessão, claro. Mas vender carro não é mais importante do que vender pão. Este mau humor dos empresários é coisa para arrancar incentivo fiscal do governo. Afinal, o Brasil só é grande
se vender Volkswagen?”, pergunta.
O deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), da bancada oposicionista, sugere que o governo proponha na reforma tributária a isenção de ICMS dos produtos da cesta básica, remédios e produtos hospitalares, vestuário e calçados, material de construção civil e insumos agrícolas como forma de reduzir os preços e aumentar o consumo em segmentos estratégicos do comércio. Esta medida tem a simpatia do ministro Guido Mantega e, segundo Hauly, aumentaria rapidamente a taxa de ocupação nas indústrias: “O governo poderia aprovar isto na emenda da reforma tributária e começar 2004 com a economia a todo vapor.” Para voltar a crescer é fundamental que o País reduza a vulnerabilidade financeira e diminua a dependência de capital externo. E para isto, segundo o líder do governo no Senado, Aloísio Mercadante (PT-SP), além de aprovar as reformas, é fundamental manter o câmbio competitivo para assegurar a trajetória de crescimento das exportações. “O pior já passou. Os resultados macroeconômicos agora serão favoráveis”, prevê Mercadante.
A esperança entre os governistas na volta do crescimento é tão grande que o ministro José Dirceu sugeriu renegociar o acordo do Brasil com o FMI em outras bases: ficaria mantida a meta de superávit fiscal em 4,5% do PIB no próximo ano, mas o fundo deixaria de classificar como déficit os investimentos das empresas públicas em infra-estrutura. “O Brasil precisa investir e o FMI tem que entender isto”, reivindicou Dirceu na quarta-feira. No dia seguinte, em Washington o diretor de relações externas do FMI, Tom Dawson, aprovou a idéia. Se tudo der certo, o transatlântico verde-amarelo pode acelerar rumo ao porto seguro do crescimento.
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2005 será uma festa |
Na semana passada, o ministro do Planejamento, o economista Guido Mantega, estava mergulhado num mar de papéis e números para confeccionar a proposta de orçamento da União para o próximo ano, simultaneamente, elaborar o Plano Plurianual (PPA). Os dois terão que ser enviados ao Congresso Nacional até o dia 29 deste mês, como manda a lei. Os dados estudados pelo ministro o deixam cada vez mais otimista, mesmo com a economia do País atravessando um momento nebuloso e incerto. Ele garante que a crise econômica está no fim e já espera a festa do réveillon, quando começará, de fato, o espetáculo do crescimento anunciado pelo presidente Lula. Entre tantas reuniões com a cúpula de cada ministério para encontrar dinheiro para todos os gastos, Mantega recebeu ISTOÉ em seu gabinete e anunciou as novas medidas que, segundo ele, farão o País se levantar do fundo do poço onde se encontra. ISTOÉ – Por que este ano a economia parou? ISTOÉ – Como ligar a máquina? ISTOÉ – E por que os empresários não estão tomando financiamentos no BNDES? ISTOÉ – Estas regras não estão demorando muito? ISTOÉ – E no curto prazo? ISTOÉ – Tivemos uma recessão no primeiro semestre. ISTOÉ – Como isto vai acontecer? ISTOÉ – Quais são as medidas para curto prazo? ISTOÉ – O que mais planeja o governo? ISTOÉ – E as medidas para atrair o investimento externo? ISTOÉ – A meta de superávit primário de 4,25% ISTOÉ – A dosagem não continua forte demais? ISTOÉ – Para sair da Depressão de 1929, o presidente ISTOÉ – Qual é a meta de crescimento do governo Lula? Leonel Rocha e Luiz Cláudio Cunha |