30/07/2003 - 10:00
Faz 40 anos que o economista Yoshiaki Nakano e a Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV) cruzam seus destinos. Egresso de Maringá, no interior do Paraná, o filho de imigrantes japoneses concluiu o curso de administração, foi aos Estados Unidos fazer economia e retornou para dar aulas. Em 1979, sem se desligar da escola, Nakano ajudou a criar o departamento de Economia do Pão de Açúcar, famoso na época pela capacidade que demonstrava em antecipar os índices de inflação, a variável econômica mais importante da época. Entre 1983 e 1987, alternou cargos no governo do Estado de São Paulo com uma rápida passagem por Brasília, durante a gestão do professor e amigo inseparável Luiz Carlos Bresser Pereira no Ministério da Fazenda. Voltou a dar aulas até ser convidado por Mário Covas a dirigir as finanças do Estado, em 1995. Saiu do cargo no início de 2001, pouco antes da morte do governador, que costumava dizer que Nakano era o homem que ousava dizer não a ele. A venda do Banespa ocorreu sob seu comando.
De volta à FGV, recebeu outra incumbência histórica, aos 59 anos de idade: montar a Escola de Economia da fundação. O projeto tem a pretensão de criar o melhor curso do País, nada aquém disso. A primeira turma, de 50 alunos, começará a dar expediente no início do ano que vem. Expediente é a palavra correta, já que, segundo Nakano, a idéia é que eles trabalhem a favor do desenvolvimento do País, conectados em tempo integral ao setor produtivo brasileiro. Aos interessados em fazer parte, já em 2008, da nova elite de economistas do País, a FGV informa que a mensalidade é de R$ 1.280. “Nunca ninguém deixou de estudar na fundação por falta de recursos financeiros”, garante Nakano, que está comandando uma equipe de estudiosos na confecção de material didático apropriado à realidade brasileira.
Realidade que, avalia Nakano, tem sido dura. “Há uma queda sistemática nas vendas do comércio, a produção está caindo, o desemprego cresce…”. Sua receita é inversa à que o médico sanitarista Antônio Palocci Filho tem prescrevido à frente do Ministério da Fazenda. Um coquetel de juros baixos para atrair capital produtivo e câmbio elevado para fomentar as exportações proporcionariam o arranque inicial para a economia. O restante depende do nosso projeto de desenvolvimento. Projeto que, segundo o professor, não existe. A Escola de Economia da FGV estará aí, a partir do ano que vem, para ajudar a criá-lo.
Logo que eu saí do governo, o presidente da FGV me procurou sondando a possibilidade de criar uma escola de economia. Ele entendia que havia um espaço a ser ocupado e a FGV precisava resgatar sua missão maior, que é a de entender a realidade do Brasil e contribuir para o desenvolvimento. E a escola deveria surgir adequada a uma diretriz da fundação segundo a qual todas as suas unidades devem ter excelência, serem as melhores no que fazem. Se os outros estiverem fazendo o que a fundação faz, ela não precisa gastar seus recursos, que são escassos. Partimos do princípio da inovação, de avançarmos sempre, buscando a melhor qualidade.
Está em decadência. Há um número enorme de cursos
sendo fechados, enquanto em outras áreas, como administração,
vêm crescendo. Eu verifiquei que existem 240 cursos de economia
no Brasil, sendo que 40 estavam para fechar as portas. No mesmo instante, havia 2,5 mil cursos de administração em funcionamento.
Outro sinal da decadência é que as posições que deveriam ser ocupadas por economistas vêm sendo ocupadas por
engenheiros, físicos, matemáticos…
Há uma reclamação generalizada entre os alunos de que os cursos são excessivamente teóricos. Eles preferem cursos como o de administração, que são mais práticos e dão mais facilidade de acesso ao mercado de trabalho. Há fundamento nessa avaliação. Quando se faz uma análise mais aprofundada, verifica-se que a pedagogia empregada em economia tornou a escola basicamente uma unidade para dar cursos baseados em aulas. É uma pedagogia passiva. O aluno tem de ficar sentadinho na cadeira ouvindo o professor. E a obrigação do professor acaba quando ele sai da sala, não há um acompanhamento do aluno. Esse é o quadro que queremos reverter para valorizar o economista, oferecendo uma formação de excelência.
Sim, a administração é muito mais técnica. O problema é que o método de ensino está totalmente errado. A economia possui um corpo de conceitos muito próprios para fazer análises, diagnósticos, resolver problemas. É o que chamo de caixa de ferramentas do economista. Mas hoje, da forma como é ensinada a economia, o aluno não consegue absorver esse instrumental. E mesmo quando consegue, ele não consegue ver uma relação muito próxima entre a teoria e a realidade brasileira. O material didático que se utiliza hoje é basicamente produzido no Exterior, pensado para outras realidades. A proposta é eliminar esse hiato desenvolvendo um método ativo em que o aluno aprende fazendo. Estamos desenvolvendo um ambiente onde o aluno participará da resolução de problemas reais do setor produtivo brasileiro.
Existe, nem tanto por causa da formação. O problema é que se demanda o impossível do economista, que é prever o futuro.
O futuro é incerto…
Sim, pois há essa demanda. Só que as probabilidades de acerto são reduzidas. Engenheiros também erram suas previsões, mas quem fica com a fama é o economista.
Atrapalha. Hoje o profissional de economia é pouco valorizado. Nos últimos anos nós encurtamos a visão. Em vez de discutirmos as grandes questões, estamos cada vez mais preocupados com o dia-a-dia, muito em função do grande predomínio que o setor financeiro vem tendo nos últimos anos. Mais de 90% do espaço destinado à economia na imprensa é ocupado pelo setor financeiro. A escola quer antecipar a futura agenda deste país. A atual está se esgotando. Há uma percepção na sociedade de que nós precisamos pensar diferente, fazer uma nova agenda para o País sair dessa semiestagnação em que está há 20 anos. Vamos trazer de volta o debate sobre o desenvolvimento e fazer pesquisa em cima da nossa realidade. O grande compromisso da escola é pensar o Brasil para contribuir com o desenvolvimento. Vamos nos preocupar mais com a economia real do que com o setor financeiro.
O que estamos vivendo é uma brutal distorção. A política econômica do País está sendo disciplinada, como eles mesmos gostam de dizer, pelo mercado financeiro. Nosso futuro acaba sendo determinado por indicadores como risco Brasil, desvalorização cambial e outros. Isso é o que gera o processo de estagnação que estamos vivendo nos últimos dez anos. Em vez de descobrirmos nossas competências, nossas capacidades, entramos num processo de tentar aproveitar a globalização e a chegada do capital internacional. Abrimos nossa economia, particularmente o mercado financeiro, e esperamos o crescimento chegar. Estamos há anos nesse processo e o crescimento não chegou. Cometemos um erro bárbaro. Se você quiser se aproveitar do fluxo de capital estrangeiro, é preciso aumentar a taxa de lucro sobre projetos produtivos. Só esse tipo de capital gera crescimento. O que fizemos foi elevar a taxa de juros, que atrai justamente o capital especulativo, nocivo. Qualquer espirro lá fora faz com que esse dinheiro vá embora e gere uma enorme instabilidade na economia. Nós temos é de inverter a política, ter os juros mais baixos possíveis e criar condições internas para que a taxa de retorno do capital produtivo seja elevada. Mais do que isso: é preciso ter um plano de desenvolvimento nacional para desenhar claramente sua estratégia.
Essa questão é extremamente importante. Há praticamente um consenso entre os economistas sérios, frise bem a palavra sérios, de que o capital de curto prazo tem de ser controlado. O Chile tem um esquema em que capital de longo prazo entra livremente. O capital especulativo precisa fazer uma espécie de estágio no Banco Central, coisa que a Argentina começou a fazer também. É preciso deixar claro que você pode ter um mercado aberto, desde que obedeça a uma série de pré-requisitos e condições. O Estados Unidos e os países europeus mantém abertos seus mercados, mas não sofrem crises de estabilidade. Isso ocorre porque, do ponto de vista comercial, são economias muito mais abertas. Se as nossas exportações fossem três vezes maiores do que hoje e se tivéssemos um mercado financeiro mais desenvolvido, não haveria problema nenhum conviver com o capital especulativo. Ainda assim, persiste uma questão fundamental: os países em desenvolvimento têm o que chamamos de pecado original, que é a emissão de dívidas em dólar, uma fonte de instabilidades.
Isso está gerando um custo social incalculável. O desemprego cresce todos os anos. Por mais que ele aumente, o Banco Central vai continuar perseguindo a meta de inflação. Esse regime foi criado em países com estabilidade. Agora, pegar um país comercialmente muito pouco aberto, em que o câmbio é absolutamente instável e o mercado financeiro é minúsculo, e implantar esse regime não faz sentido. Assim como não faz sentido um país que tem mantido a taxa de juros persistentemente alta supor que está numa trajetória de crescimento normal, equilibrado.
Há uma queda sistemática nas vendas do comércio, a produção está caindo, o desemprego cresce… É uma questão muito difícil. Não há como sair disso rapidamente. Eu acho que estamos num processo de passar da velha agenda para uma nova, que inclui recuperar o projeto de desenvolvimento nacional. Nos primeiros 40 anos do século passado, o Brasil cresceu, em média, 4,5% ao ano. Nos 40 anos seguintes, o crescimento médio foi de quase 7%, em algumas décadas
foi maior ainda. Nos 20 anos posteriores, até hoje, a média é de 2%. O que houve? Ficamos todos idiotas? Não, o que falta é um projeto de desenvolvimento. Cada vez mais estou convencido de que o projeto
só surge quando o país se volta para si mesmo, define seu próprio destino e não fica esperando que o capital externo e a globalização venham resolver tudo.
Se nós tivermos uma taxa de câmbio mais estável e suficiente para estimular as exportações, podemos dar o arranque inicial e, a partir daí, iniciar um processo de desenvolvimento. Mas é preciso um plano. A taxa de juros está totalmente fora de padrão. Não é possível crescer com ela. Precisamos incorporar os setores de baixa produtividade ao setor moderno da economia. Se a China pode crescer à taxa que cresce, nada me diz que o Brasil, se fizer um bom projeto, também não poderá crescer no mesmo ritmo. A estabilidade não pode ser um fim em si mesma, como nessa velha agenda. Tem de estar integrada com o crescimento. Um monte de países faz isso. Só aqui passamos a dar valor para a estabilidade e nos esquecemos do crescimento.
Depende muito da pressa em retomar o crescimento. Quem
tem pressa quer uma taxa alta. Se você quer voltar a crescer mais devagar, opta por uma taxa mais baixa. Mas é evidente que não basta fixar uma taxa. É preciso determinar condições mais favoráveis para a estabilidade do câmbio, que é o que leva o empresário a voltar a exportar. Eu, como tenho muita pressa, acho que a taxa deveria estar lá em cima, em R$ 3,60 ou R$ 3,80.
Na prática, há uma repetição da agenda antiga.
Precisamos dar mais um tempinho, mas até agora só há promessas,
nada de concreto. O que é um grande problema, pois a situação econômica é grave, a social é mais grave ainda e acho que o
país não aguenta muito não.
Inicialmente, o governo cortou investimentos. Agora, diz que vai investir em infra-estrutura. Isso pode ser discurso, mas na prática o que está acontecendo é lamentável. O governo gastou mais em passagens aéreas e hotéis do que investiu até agora. Ao mesmo tempo, foram gastos R$ 20 bilhões em juros. Os investimentos em infra-estrutura têm de ser feitos, senão vamos enfrentar apagões em outros setores.
Não. Eu estou convencido que o ministro da Fazenda é um servidor público. Um médico, bem assessorado, pode perfeitamente ser ministro da Fazenda. Acho que ele tem se saído muito bem. O que me preocupa é que não há clara sinalização em relação ao que ele vai fazer no futuro. Ele pegou uma situação muito difícil e praticou uma política ultraconservadora. Se a política tivesse sido menos conservadora, teríamos tido o mesmo efeito.