Nos últimos dois anos, o ex-prefeito Paulo Maluf (PP) desenvolveu o hábito de repetir à exaustão duas frases curtas. A primeira é “nada a declarar”. Costuma usá-la sempre que questionado sobre os custos milionários das obras viárias realizadas durante sua gestão na Prefeitura de São Paulo, entre 1993 e 1997. A outra frase, “não tenho conta no Exterior”, ele dispara quando encurralado por promotores e procuradores que o investigam pelos crimes de sonegação fiscal, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Na quinta-feira 24, Maluf precisou declarar frases mais longas. Por volta das 9h, ele e a mulher, Sylvia, deixaram o hotel Plaza Athenée, em Paris, onde estavam hospedados no apartamento 420 desde domingo, e foram ao banco Crédit Agricole para fazer uma transferência de dinheiro. Antes de a operação ser concretizada, porém, o gerente Jean Marc Buyge lhe informou que a transferência não seria feita e o ex-prefeito deveria permanecer sob custódia até explicar a um juiz a origem do dinheiro guardado em sua conta. Ele pediu a presença de um advogado e foi levado ao Departamento Central de Controle de Grandes Movimentações Financeiras, onde prestou depoimento. Só voltou ao hotel por volta das 21 horas. “É bom saber que ainda dou ibope”, disse ao saber que no Brasil as agências de notícias divulgavam a sua “prisão em Paris”. “Não fui preso. Apenas compareci diante das autoridades francesas de forma espontânea para dizer a origem do dinheiro em minha conta. Um político que não deve não teme e esse é o meu caso”, explicou. “O dinheiro tem uma origem maravilhosa. É produto da venda de um terreno adquirido por meu pai na década de 40.” A versão de Maluf começou a ser desmontada horas depois. De acordo com as autoridades francesas, o ex-prefeito foi mesmo detido. Segundo Maluf, a conta no banco da França não está declarada em seu Imposto de Renda porque foi aberta este ano. Para justificar uma conta no Exterior, Maluf foi irônico: “Abri uma conta fora do Brasil apenas por motivos fúteis”, disse.

No Brasil, a revelação de uma conta milionária de Paulo Maluf em um banco francês não foi uma surpresa. Em abril, o governo da França já havia informado ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) a existência da conta, bem como a existência de um depósito de US$ 1,46 milhão. Segundo o documento, o dinheiro teria vindo da Fundação Blackbird, com sede no paraíso fiscal de Liechtenstein. Investigações do Ministério Público Federal comprovaram que a Fundação Blackbird pertence a Flávio Maluf, filho do ex-prefeito. Ainda no ofício encaminhado ao Coaf, a Tracfin (Traitement du Renseignement et Action Contre les Circuits Financiers Clandestins – Departamento de Informação e Ação Contra os Circuitos Financeiros Clandestinos) informa que a conta de Maluf recebeu em janeiro US$ 73,8 mil e em abril US$ 116 mil. Em ambos os casos o dinheiro foi remetido por Sylvia Maluf, pelo BCN do Brasil. “Agora vamos solicitar às autoridades francesas que nos forneçam detalhes dessa investigação”, disse o promotor Silvio Marques, do Ministério Público paulista. No Brasil, Maluf é investigado civil e criminalmente. Há ainda investigações sobre o dinheiro do ex-prefeito na Suíça, em Jersey e em Nova York.

Pompa – Durante o período em que esteve “esclarecendo” a origem da sua dinheirama aos franceses, Maluf não pôde sequer usar o telefone celular. No Brasil, seus advogados não sabiam dizer com certeza o que estava acontecendo. Somente no final da tarde é que o advogado Ricardo Tosto conseguiu falar com o ex-prefeito. “Ele não foi preso. Compareceu por vontade própria diante das autoridades francesas”, afirmou. “Maluf só abriu uma conta no Exterior porque ele e sua mulher viajam muito e precisam de dinheiro lá fora.” O hotel Plaza Athenée, onde Maluf pretende continuar hospedado até 12 de agosto, é um dos mais caros de Paris. Situado no 8eme arrondissement – o mais sofisticado bairro parisiense –, o hotel de oito andares foi construído no século XVIII, no reinado de Luís XVI, e lá costumavam se hospedar celebridades como a princesa Grace Kelly e Jacqueline Kennedy. Suas diárias variam de
US$ 460 a US$ 1,6 mil (cerca de R$ 1.300 a R$ 4.700).

 

Suíça entrega fiscais

Não há mais dúvida de que fiscais envolvidos no escândalo do propinoduto no Rio são donos de contas milionárias abertas em seus nomes na Suíça, como revelou ISTOÉ em janeiro. Após seis meses de investigação, o Ministério Público Federal recebeu do governo suíço extratos bancários e contratos de abertura das contas de dois auditores da Receita envolvidos: Hélio Lucena Ramos da Silva e Sérgio Jacome de Lucena. Os dois teriam movimentado mais de US$ 1 milhão em mais de dez saques e depósitos registrados. “É uma prova substancial para a condenação dos acusados, já que eles negavam a existência dessas contas”, explica o procurador da República Gino Augusto Liccione.

Os extratos bancários dos outros envolvidos, entre eles Rodrigo Silveirinha Corrêa, não foram divulgados graças a um pedido dos advogados dos fiscais, aceito pela mais alta corte da Justiça suíça. O órgão considerou que a Justiça brasileira ainda não reunia provas suficientes para pedir a abertura de suas contas. O MP já enviou outra carta rogatória com novas provas contra os acusados, como os depoimentos de Valéria dos Santos, ex-mulher do fiscal Carlos Eduardo Pereira Ramos, e Marcelo Fernandes Mesquita, ex-contador dos empresários de futebol Alexandre Martins e Reinaldo Pitta.
Valéria dos Santos disse que esteve com Carlos Eduardo e Rômulo Gonçalves, outros envolvidos, em um banco na Suíça em 1997. A carta pedirá ainda que o governo daquele país confirme a existência de uma conta da empresa Gortin Promoções Ltda., usada por Pitta e Martins para transferir o dinheiro entregue a eles pelos fiscais.

Ricardo Miranda