30/07/2003 - 10:00
Na canção Positivismo, o sambista carioca Noel Rosa e seu parceiro Orestes Barbosa praguejaram contra uma orgulhosa traidora que optou por ser feliz em outros braços. Dona de um coração que não vibrava, a malvada teria dado as costas para o lema “o amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim”, desprezando assim a lei do positivista francês Auguste Comte, filósofo inspirador do dístico da bandeira brasileira. É a este Noel debochado que o também carioca Jards Macalé recorre no excelente álbum Amor, ordem & progresso, que marca seus 60 anos, comemorados em março passado.
Além da referida pérola do samba, o disco revisita grandes momentos
da música brasileira. Traz um punhado de bossas, a exemplo de Foi a noite (Tom Jobim/Newton Mendonça) e Manhã de Carnaval (Luis Bonfá/Antonio Maria). Entre as 12 faixas também se destacam o afro-samba Consolação (Baden Powell/Vinicius de Moraes) e o samba gelado Roendo as unhas (Paulinho da Viola), extraído do antológico álbum Nervos de aço. Como se vê, trata-se de um trabalho basicamente de intérprete, papel que Macalé veste com desenvoltura e elegância a despeito da postura nada reverente, somada aos arranjos econômicos divididos
com Moacyr Luz, idealizador do projeto.
Luz empunha seu violão nobre em algumas faixas, dando ainda mais brilho à banda enxuta que reúne o violão eletro-acústico e a guitarra de Victor Biglione, o baixo de Arismar do Espírito Santo e a percussão de Robertinho Silva. Afinadíssimo, o quarteto cria a sonoridade adequada ao vocal curtido de Macalé. Dedicado ao poeta e compositor Waly Salomão, morto em maio passado, com quem assinou maravilhas como Vapor barato, o CD só peca por não trazer nenhuma composição dos dois.