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O amor é cego A astronauta Lisa, cujo amor ao colega William Oefelein a levou a agredir a rival Colleen Shipman

Já faz muito tempo que os astronautas deixaram de ser heróis das multidões como, em sua época, foram Yuri Gagárin, John Glenn ou Neil Armstrong. Mas nunca se imaginou que alguns deles acabassem virando protagonistas de uma história de folhetim. Como todos os seus colegas contemporâneos, a americana Lisa Marie Nowak, 43 anos, capitã da Marinha dos EUA, trabalhou em relativa obscuridade na Nasa. Foram dez anos de treinamento rígido e intenso até julho do ano passado, quando ela integrou a tripulação do ônibus espacial Discovery. Depois de seus 15 segundos de fama, Lisa caiu novamente no buraco negro do anonimato. Na semana passada, ela estava de volta às manchetes. Mas desta vez, em vez de sorrisos, seu rosto exibia a expressão acabada da devastação pessoal. Lisa foi presa em Orlando, na Flórida, acusada de tentativa de seqüestro e homicídio contra uma rival, a também capitã Colleen Shipman, 30, da Força Aérea dos EUA. O pivô da história foi o piloto da Marinha William A. Oefelein, 41 anos – vulgo Billy-O –, com quem ambas, aparentemente, mantinham um tórrido relacionamento amoroso. O detalhe picante, que chocou o puritanismo dos americanos, é que Lisa é casada e mãe de três filhos. Oefelein, divorciado, tem dois filhos.

A história é de fazer inveja a Alex Forest (Glenn Close), a mulher enlouquecida pela perda do amante Dan Gallagher (Michael Douglas) em Atração fatal. Lisa dirigiu nada menos que 900 milhas (1.440 quilômetros), de Houston (Texas) a Orlando, onde mora Colleen, que chegara à cidade na terça-feira 6 num vôo comercial. Durante todo o longo percurso, para evitar paradas, Lisa vestiu sob a roupa um tipo de fralda que os astronautas usam nas viagens espaciais. Ao chegar ao aeroporto de Orlando, ela paramentou-se com uma peruca e um sobretudo. Em seguida, muniu-se de uma marreta, uma pistola de chumbo, luvas de borracha, sacos de plástico e um spray de pimenta. Quando Colleen chegou, quase duas horas depois, a astronauta a seguiu até o estacionamento do aeroporto. Assustada ao ouvir passos apressados vindos em sua direção, Colleen correu para o carro e fechou as portas e os vidros. Lisa tentou abri-los e, aos berros, disse que a pessoa que vinha buscá-la não chegara e que ela precisava de carona. Colleen ficou impassível e Lisa começou a chorar. Talvez penalizada, ela abriu um pouco a janela do carro para falar com a colega. Nesse momento, recebeu um jato de spray de pimenta e teve uma perda momentânea de visão. Furiosa, com os olhos ardendo, Colleen conseguiu arrancar o carro, levando-o até uma guarita de pedágio e, de lá, chamou a polícia.

fotos: nasa kim shiflett

Fama Ela foi uma das tripulantes do Discovery

Os policiais prenderam Lisa quando ela tentava se livrar dos objetos do crime jogando-os no lixo. Em seu carro, foi encontrada uma carta de amor a Oefelein. No depoimento que prestou depois de ser detida e algemada, a astronauta disse que não teve a intenção de ferir a colega, mas que apenas pretendia “intimá-la a conversar”, e admitiu que sua atitude fora “estúpida”. Sobre seu relacionamento com o piloto e também astronauta Oefelein, ela o definiu como “mais que uma relação de trabalho, mas menos que uma relação amorosa”. Lisa Nowak foi libertada depois de pagar uma fiança de US$ 25 mil. Se for condenada, pode pegar até prisão perpétua.

Os amigos e conhecidos de Lisa estão chocados com o episódio. Afinal, ela sempre foi uma profissional exemplar e equilibrada. “Nunca imaginei que ela pudesse ter o diabo no corpo”, alfinetou uma ex-colega de escola. Um de seus vizinhos em Houston disse ao jornal The New York Times que em novembro ouviu Lisa e seu marido, Richard – que é controlador de vôo –, aos berros, seguidos por ruídos de porcelana quebrada. Uma declaração de sua família no site Sentinel Web diz que os Nowaks foram casados por 19 anos, mas se separaram “há poucas semanas”.

Especialistas acreditam que o caso poderá abalar a imagem de perfeição profissional dos astronautas cultivada com esmero pela Nasa. Os candidatos a ir ao espaço, de fato, passam por uma rigorosa triagem psicológica, mas apenas no início da carreira. Como se sabe desde Shakespeare (“O amor sendo cego, os enamorados não podem ver as loucuras que cometem”), não há como diagnosticar ou prever atitudes no campo afetivo. “Como outras pessoas, eles são seres humanos”, pondera George Abbey, diretor do Johnson Space Center. A maioria do público, porém, prefere explicações simplistas, condizentes com seu moralismo canhestro.

Mesmo assim, o caso encerra alguns mistérios, além do sensacionalismo causado pelo triângulo condimentado com ciúme e tentativa de homicídio. “É extremamente raro para uma mulher cometer esse tipo de crime”, diz Michael Stone, professor de psiquiatria da Universidade de Columbia. Segundo ele, numa situação dessas a maioria das mulheres tentaria matar o amante, não a rival. “Esse é realmente um caso único nos anais dos crimes femininos”, conclui o professor Stone. “De perto, ninguém é normal”, diz a música de Caetano. Nem mesmo os astronautas que, afinal, vivem no mundo da lua.