14/02/2007 - 10:00
SUPERZÉ Entre os aliados de Dirceu estão quase 60 dos 83 deputados do PT
A história registra que muitas vezes a política é dominada por homens de estilo discreto e personalidade forte. São lideranças que o imaginário popular costuma ver por trás de tudo o que acontece. Assim foi com o Cardeal Richelieu na França absolutista; com o monge Rasputin na Rússia czarista; com Henry Kissinger nos EUA pós-guerra; com o general Golbery do Couto e Silva no Brasil da ditadura militar. Guardadas as diferenças históricas e também ideológicas, de uns tempos para cá, o ex-ministro e ex-deputado José Dirceu de Oliveira e Silva é apontado como principal protagonista da cena política brasileira. A ele se atribui tudo o que ocorre de importante no País. Quem esteve por trás da eleição de Arlindo Chinaglia, o novo presidente da Câmara? José Dirceu. Quem estaria dando as cartas na escolha do novo Ministério do governo Lula? José Dirceu, naturalmente. Quem estaria conduzindo as políticas públicas de telecomunicações, siderurgia e biocombustíveis? Quem seria o emissário secreto do Brasil junto aos presidentes Hugo Chávez, Evo Morales e Fidel Castro? Dirceu, Dirceu e Dirceu. Em Brasília, alguns líderes discutem mais a atuação do ex-ministro José Dirceu do que temas fundamentais para a agenda brasileira, como o PAC, por exemplo. Há quem dedique mais tempo para se preocupar com uma possível anistia que estaria sendo tramada por Dirceu do que com a necessária reforma política. “É muito exagero. Estão criando mitos enganosos a meu respeito”, afirmou o próprio Dirceu, em conversa com ISTOÉ. Pode, de fato, haver exagero, mas, por outro lado, existe um bocado de modéstia na afirmação do ex-ministro.
Afastado há 20 meses do governo e da política formal, depois de ser cassado sob a acusação de comandar o mensalão, José Dirceu tem atuado em três frentes distintas. A primeira é o Dirceu privado, advogado e consultor. Seu escritório de advocacia, em sociedade com Lilian Ribeiro, antiga sócia nos anos 90, fica no bairro da Vila Clementino, São Paulo. Em frente, ele mantém um escritório de consultoria. “Preciso viver, tenho que pagar as contas”, justifica. Nessa atividade, Dirceu tem se valido do fato de que em toda a América Latina há hoje homens que, como ele, foram influentes líderes de esquerda na luta contra as ditaduras instaladas nos seus países e agora estão no poder. Isso ajuda bastante. Foi Dirceu quem assessorou o magnata australiano Rupert Murdoch na viabilização da fusão da Sky com a DirecTV no Brasil. Outro caso é o do venezuelano Gustavo Cisneros, dono de um dos maiores grupos de comunicações do continente. Cisneros estava rompido com Hugo Chávez e contratou Dirceu para negociar uma paz honrosa. E, nos últimos dias, Dirceu tem viajado muito à República Dominicana a fim de viabilizar para um grupo privado brasileiro um grande entreposto de exportação de etanol para os Estados Unidos. “Todos que deixam o governo trabalham em consultorias ou em bancos. Como todos os ex-ministros, ex-embaixadores e ex-governadores, sou procurado. Dou consultorias e cobro por elas”, diz o ex-ministro.
PAZ ARMADA O presidente Lula entrou no jogo para
acalmar os ânimos na briga entre o ministro
Tarso Genro e Zé Dirceu
Outra frente de atuação do ex-ministro se dá no interior do próprio governo. Embora o presidente se esforce para diminuir a força do poder que Dirceu ainda exerce, Lula não consegue evitar ter com ele uma relação de dependência mútua. Lula tem mais votos que o PT – e é peça importante para elevar o partido ao poder. Dirceu, por sua vez, tem o mapa do partido, o que significa grande ascendência sobre a legenda. Dos 83 deputados federais do partido, entre 56 e 60 formam uma espécie de “Bancada do Zé Dirceu”. Nem reservadamente Dirceu fala mal de Lula. Nem Lula fala de Dirceu. Dirceu garante, porém, que não tem mantido conversas com o presidente. Segundo ele, a última vez em que os dois se falaram, por telefone, por poucos minutos, foi no aniversário de Lula, em outubro. Os recados de um para outro se dão por intermediários. Os mais constantes são o secretário particular da Presidência, Gilberto Carvalho, e o ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos. “Não faço lobby e não tenho nenhum papel de articulação no governo, mas é claro que converso com meus amigos”, diz Dirceu. Quando ministro da Casa Civil, passaram por seu crivo pessoal mais de seis mil nomeações políticas para cargos de confiança. Muitos permanecem na administração. Sua própria substituta na Casa Civil, Dilma Rousseff, tem laços com Dirceu, embora durante um bom tempo tenha se esforçado para desvincular-se. Dias antes da eleição de Chinaglia para a Presidência da Câmara, o ex-ministro esteve em Brasília. Espalhou-se na cidade que ele se reunira com o próprio Chinaglia. “Foi com alguém mais importante”, respondeu José Dirceu. Foi mesmo. A reunião foi com Dilma Rousseff.
José Dirceu é um ser político. Ao longo da militância fez r
elações no Brasil e no Exterior que agora o ajudam a
manter forte influência, seja no governo, seja na iniciativa privada
ARLINDO CHINAGLIA
O ex-ministro adotou a candidatura de Chinaglia e com ele se contrapôs a Tarso
MARTA SUPLICY
Dirceu conta com o apoio da ex-prefeita e aposta em fazê-la ministra da Educação
EVO MORALES
O ex-ministro articula com o boliviano alternativas para empresas brasileiras
HUGO CHÁVEZ
Dirceu fez a ponte entre o empresário Cisneiros e o presidente da Venezuela
A terceira frente de atuação de Dirceu é política. Daí que emerge a parte resplandecente de seu poder. “O Congresso cassou o direito de me eleger, mas não o de votar e de fazer política”, lembrou a um amigo. Desde as primeiras denúncias sobre a existência do mensalão, Dirceu trabalhou fortemente para não sucumbir com a sua cassação. Quando as eleições chegaram, ele se dedicou a auxiliar seus aliados a buscarem postos no Congresso. Em São Paulo, ajudou João Paulo Cunha e José Mentor. No Pará, Paulo Rocha. Do Rio de Janeiro, veio Luís Sérgio, eleito na semana passada o novo líder do partido na Câmara. Ainda assim seu grupo estava de moral no chão, apontado como a bancada dos mensaleiros. Na virada do ano, Lula e seus articuladores políticos, Tarso Genro à frente, só falavam em reduzir drasticamente a influência do PT junto ao governo. Duas frentes, então, associaram-se. De um lado, petistas do Campo Majoritário fora do núcleo paulista que buscaram ascender no vácuo da queda de Dirceu e seu grupo. De outro, os demais partidos da base aliada imaginando que poderiam crescer à custa do desgaste vivido pelo PT. Foi aí que Dirceu engrossou o seu exército e a luta tornou-se mais violenta.
A vitória de Arlindo Chinaglia na Presidência da Câmara foi a primeira etapa de um plano de seis passos arquitetado por Dirceu. O segundo passo ele transpôs na semana passada ao eleger como líder da bancada petista Luís Sérgio. O próximo passo, na semana que vem, será conseguir emplacar nomes em postos importantes da Câmara, como a Comissão de Orçamento. A idéia é, assim, deixar claro que qualquer negociação no Congresso terá de passar necessariamente por parlamentares ligados a ele. Com isso, Lula não poderá ignorá-los na hora de montar seu novo Ministério – o quarto passo. Então, a prioridade de Dirceu será colocar Marta Suplicy na Educação, tirando dali Fernando Haddad e demolindo a principal estrutura de governo que Tarso Genro domina. Obtido tudo isso, Dirceu imagina que estará pronto para vencer de vez a disputa interna e manter sua influência no partido. “O PT tem que se renovar e se reformar. Esse negócio de refundação não serve. Seria fundar outro partido, que não será o PT”, diz o ex-ministro. Mas essa não será uma tarefa fácil. O grupo de Tarso tem força. O documento apresentado por eles na quinta-feira 8, propondo mudanças no PT e acusando “autoritarismo” da direção adotada por Dirceu (embora sem citá-lo nominalmente), denominado “Mensagem ao Partido”, tem a adesão de 214 petistas de alto coturno, como os governadores de Sergipe, Marcelo Déda, e do Pará, Ana Júlia Carepa. Por determinação de Lula, nenhum ministro, além de Tarso, que já estava publicamente envolvido com a sua elaboração, aderiu ao texto.
Se tudo isso seguir como Dirceu planeja, chegará, então, o sexto e último passo: a revisão da sua cassação. Inicialmente, ele imaginou chegar à anistia pelo clamor popular. Reuniria mais de um milhão de assinaturas em um projeto enviado ao Congresso. Uma pesquisa encomendada por ele, no entanto, gorou o seu plano. Ela mostrava que sua rejeição ainda é muito grande. Ele não conseguiria mais de um milhão de adesões. Agora, ele pensa em fazer com que o projeto apareça apresentado por um deputado. Embalado pela vitória de Chinaglia, sua turma animou-se nesse sentido. A trava veio, então, de Lula. O presidente determinou a Gilberto Carvalho que pedisse a Dirceu que adiasse seu plano de anistia. Dirceu aceitou. Retomará seu projeto depois de setembro, quando acredita que o PAC já estará aprovado. “Não dá para inverter a agenda do País”, admite. Dirceu, porém, exigiu uma contrapartida. Tarso Genro terá de parar também de tentar cassá-lo dentro do PT. Aceitas as condições, Dirceu zerou o jogo.
Colaboraram: Rodrigo Rangel e Hugo Marques