14/07/2004 - 10:00
Paulistano, daqueles que tiveram o privilégio de brincar numa cidade arborizada e passear à noite pelas ruas do centro iluminadas por lampiões a gás, o artista plástico Arcangelo Ianelli continua comemorando uma trajetória de 60 anos de carreira e 80 de vida, completados em 2002, com o lançamento do portentoso livro Ianelli (Via Impressa, 274 págs., R$ 100). Ricamente ilustrado, o volume traz as melhores e mais ilustres obras das suas variadas fases – dos primeiros desenhos a carvão, passando pelos óleos figurativos à geometria com a qual ficou mais conhecido até chegar à completa abstração, quando abusa da intromissão das cores em telas que explodem em tons sombrios, emotivos e leves. Há também um capítulo dedicado às esculturas, atividade à qual ele se empenhou de 1975 a 2002. A edição em português e inglês, prefaciada por Emanoel Araújo e Fábio Magalhães, ainda traz textos de Eduardo da Rocha Virmond, José Roberto Teixeira Leite, Juan Acha, Mariana Ianelli e Paulo Mendes de Almeida, todos elucidando o percurso de Ianelli.
Aprimoramento – Autodidata ferrenho, o filho de italianos começou a se interessar por desenho ainda adolescente, sendo encaminhado para aulas de pintura cujo resultado se limitou ao aprimoramento técnico. O quadro Leitura, por exemplo, um óleo sobre tela de 1944 trazendo uma moça vestida de vermelho com um livro sobre o colo, é um trabalho que impressiona pela maturidade sem trair a autoria de um rapaz então com 22 anos. Ianelli pertence à geração de Aldemir Martins, Alfredo Volpi, Tomie Ohtake, Francisco Rebolo e Manabu Mabe. Como alguns deles, saía nos fins de semana com o cavalete debaixo do braço para registrar cenas da periferia da metrópole. Integrou o grupo Guanabara – formado uma década depois do célebre Santa Helena. A exemplo do irmão Thomaz Ianelli, falecido em 2001, se encantou pela efervescência modernista do pós-guerra, embora frequentasse sem demonstrar enfado ambientes acadêmicos, a começar pelo Salão Paulista de Arte.
Apontado como o enxadrista da arte, tal a sua estratégia em esgotar pacientemente cada fase da carreira, todas em seu devido tempo, Ianelli solidificou sua posição no mercado de arte. Foi assim que deu passos seguros e sem retorno. Nos anos 1960, a reviravolta aconteceu por completo. As figuras deram lugar às formas, a princípio geométricas e posteriormente indefinidas e com cores supertrabalhadas, que, aos poucos fugiam da prisão delimitada pela moldura. Desta maneira, o artista encarnou o mote moderno que estabelece que a pintura deve falar por si e não remeter à uma situação anterior.