14/07/2004 - 10:00
Em laboratório de desenvolvimento tecnológico pode ser sujo, cheio de barro, poeira, pedra pontiaguda, cascalho e toco de madeira. E, pior, perigoso. Quem achou a afirmação estranha deveria acompanhar o trabalho de gigantes da indústria de peças e componentes automobilísticos numa competição do porte do Rally Internacional dos Sertões, a mais importante do País na categoria fora de estrada. Nos quase 4,3 mil quilômetros da prova, pilotos e navegadores testam não apenas talento e resistência, mas também a eficiência de uma série de equipamentos que, aprovados, poderão equipar as próximas gerações de carros. “A festa contribui para exibir a marca”, admite o diretor de marketing da Pirelli para a América Latina, Inácio Caltabiano Neto. “Mas o objetivo principal da empresa é desenvolver soluções para aprimorar produtos”, completa ele. A edição deste ano, a 12ª, termina no sábado, dia 10.
De embreagens a turbinas, o laboratório radical e empoeirado do Rally dos Sertões serve de plataforma de testes para quase tudo. A Mitsubishi, por exemplo, tem a sua própria equipe competitiva, equipada com pneus Pirelli e conduzida pelo piloto Guilherme Spinelli e pelo navegador Marcelo Vivolo. O time venceu os Sertões no ano passado e, até meados da semana passada, estava na terceira colocação geral. Mas isso não impediu que a montadora e a fabricante de pneus criassem a equipe Pirelli-Mitsubishi Co-Development, dedicada ao suporte dos pilotos apoiados por uma das marcas e, sobretudo, à pesquisa e ao desenvolvimento de peças, sistemas e componentes. Em pouco mais de um ano de existência do time, Sérgio Barata, piloto de testes da Pirelli há 23 anos, e o navegador Giovanni Godói, engenheiro da Mitsubishi, rodaram mais de 12 mil quilômetros e ajudaram a desenvolver na marra, entre outras coisas, um sistema de oito amortecedores (dois para cada roda) que já equipa alguns modelos da montadora japonesa. Entre as fabricantes de turbinas, a americana BorgWarner testa, nos carros do rali, o desempenho e a resistência à poeira de alguns de seus modelos.
A grande novidade da versão 2004 do “laboratório Sertões” é o “pneu conceito” Scorpion Rally, uma versão high tech do A/T-R que equipou a Mitsubishi Petrobras Pajero Evolution, do piloto Klever Kolberg, no último Rally Paris-Dakar, e ainda não está disponível no mercado. O Scorpion, além de novas ligas de compostos sintéticos e sulcos mais rasos para facilitar o desempenho, possui um reforço lateral de kevlar, material leve e de alta resistência desenvolvido pela Nasa, a agência espacial americana. “O A/T-R, que gerou o Scorpion, reduziu nossas trocas de pneu no Paris-Dacar de 40, na média, para duas em 2004”, atesta Kolberg. Na categoria caminhões, o piloto André Azevedo e o navegador Robson Oliveira funcionam como cobaias inconscientes nos experimentos da Mercedes-Benz. “A fábrica lançou o caminhão Flex Truck 1728 em junho deste ano. Nos Sertões de 2003, eles, sem nos informar, implantaram vários componentes de freio, embreagem e suspensão no modelo 2428 que nos deram para competir. Depois, corrigiram os defeitos”, conta Azevedo. O piloto aposta em algo parecido para este ano. “Não nos falaram nada, mas, se estiver rolando, tudo bem. A gente se sente útil em ajudar”, acrescenta.
E os consumidores agradecem.