A Negra: primeira grande mostra de Tarsila na França acontece no Museu Léger

Maior destino de turistas do mundo, a França vai se tornar, a partir de março, a grande vitrine da cultura brasileira no Exterior. A convite do presidente Jacques Chirac, o País vai ser homenageado com o evento O Ano do Brasil na França, uma maratona de exposições, shows, peças de teatro, mostras de filmes, apresentações de dança e edições de livros jamais vista no estrangeiro. São ao todo 300 projetos, alguns ansiosamente esperados pelos franceses, como a primeira grande mostra local de Tarsila do Amaral e a estréia nos palcos parisienses da cantora Maria Rita. Segundo Jean-François Chougnet, comissário francês do evento, seu país vai investir cerca de dez milhões de euros e projeta um público de dois milhões de pessoas. Chougnet adiantou que, além do conceituadíssimo Festival de Outono de Paris, a maioria dos grandes eventos culturais franceses vai abrir espaço para artistas nacionais, entre eles o Printemps de Bourge, o Festival de Lyon e o Transmusicales de Rennes, conhecido por lançar novos nomes no cenário musical. “Vamos mostrar um Brasil bem diverso e contemporâneo”, afirma. Historiador e diretor-geral do Parque La Villette, em Paris, Chougnet já publicou vários artigos sobre o Brasil e prepara um livro sobre os clichês verde-amarelos. “Minha idéia é mostrar as verdades e mentiras que encerram, por exemplo, o clichê da violência urbana e o de que o Brasil não é um país sério.”

IstoÉ – O nome da homenagem, Brésil Brésils, subentende que existem vários Brasis. Como os franceses vêem o Brasil hoje?
Jean-François Chougnet – O tema subentende que existe uma diversidade. A mensagem que este título quer passar é que o Brasil é um país-continente. É uma coisa que o francês não percebe. Os eventos programados vão dar a oportunidade de se descobrir um país bem diferente do que ele conhece através do trinômio samba-futebol-praia.

IstoÉ – Esse vai ser o tema forte do ano?
Chougnet – Sim, o tema forte é o intercâmbio entre a diversidade e a modernidade. A imagem cultural do Brasil na França é, basicamente, derivada do samba. Ele é visto como um país de festa, de música popular. Nossa idéia é apresentar também uma programação importante de arte contemporânea, de fotografia, de música erudita. Apresentar um Brasil bem diverso, mais contemporâneo, que tem possibilidade de estar na vanguarda.

IstoÉ – O sr. poderia dar exemplos de algumas destas manifestações de modernidade?
Chougnet – Uma das coisas vindas do Brasil que sempre surpreende os programadores franceses é a força de sua dança contemporânea. Não apenas aquela feita pelo Grupo Corpo, mas por nomes mais recentes, como Bruno Beltrão, Lia Rodrigues e Marcia Milhazes. Há diversos exemplos de uma cena bem ativa. Nas artes plásticas, poderíamos falar de Ernesto Neto, que é pouco conhecido na França, pelo menos em relação ao lugar que ele deve ocupar. Ele vai fazer uma intervenção na Chapelle de la Salpêtrière, onde se concentram as mostras de artes plásticas do Festival de Outono de Paris, em setembro.
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“A França sempre foi um país aberto ao mundo, ao diferente. O Brasil provoca esse tipo de fascinação”, afirma Jean-François Chougnet

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“A França sempre foi um país aberto ao mundo, ao diferente. O Brasil provoca esse tipo de fascinação”, afirma Jean-François Chougnet

IstoÉ – A diversidade como traço cultural brasileiro está ligada à mestiçagem, uma mistura ainda em processo, como um laboratório. Muitas pessoas remontam essa diversidade ao barroco. Essa tentativa de entender o Brasil através do barroco é um viés do Ano Brasil?
Chougnet – Vai acontecer uma mostra do barroco no Musée de Beaux Arts, de Rouen. Não tenho competência para avaliar a questão de o Brasil ser um laboratório, uma pergunta mais brasileira que francesa. Mas o que tem interesse para o francês é o confronto com outro tipo de mestiçagem. A França também enfrentou o problema da mestiçagem, que foi resolvido – bem ou mal, dependendo da opinião – com a chamada integração. Trata-se de uma palavra-chave do sistema francês de mestiçagem. O Brasil tem uma história totalmente diferente. É interessante confrontar os dois tipos de história e soluções, digamos, entre aspas.

IstoÉ – O sr. poderia diferenciar as duas soluções?
Chougnet – A solução francesa parte do conceito básico de integração, que
vem do modelo republicano. Segundo esse modelo, os filhos de estrangeiros
vão às escolas republicanas, aprendem a falar o francês e isso tem mantido
o país unido até agora com uma certa facilidade. O modelo brasileiro é mais respeitoso em relação à cultura de origem de seus integrantes, é um sistema totalmente diferente. O Brasil não proíbe os negros de irem ao candomblé,
mas a França proíbe, por exemplo, as meninas de origem árabe de usarem
o véu na escola. É o mesmo sistema que proibiu, até os anos 1950, 1960, os moradores da Bretanha de falar o bretão.