12/01/2005 - 10:00
Educação: crianças de Vigário Geral, no Rio, dão os primeiros dribles pela Liga Urbana de Basquete
Não se assuste se um dia, diante de uma galera com uma bola de basquete, você ouvir a seguinte frase: “Aí Jão, no hoops dei um crossover no poser e fiz mó slam dunk.” É apenas a entusiasmada narração de uma jogada de streetball – ou streetbasket –, o basquete de rua. Quer dizer mais ou menos o seguinte: “Cara, no jogo dei um drible no adversário ruim e completei o lance com a maior enterrada.” A moda começou nos guetos nova-iorquinos, conquistou os Estados Unidos, rasgou a linha do Equador e começa a ganhar adeptos por aqui. Para jogar, são necessários apenas um aro, uma tabela e três jogadores em cada equipe. As regras são flexíveis e privilegiam a ousadia e a força. Seu formato possibilita a prática em quadras ou becos. Já imaginou Robinho, Denílson e Ronaldinho Gaúcho apresentando seu repertório de dribles em um campo de pelada? O espetáculo do improviso garante o sucesso da modalidade.
A curtição não fica restrita à partida. O visual, inspirado nos gigantes da NBA – a liga de basquete dos EUA – e da And 1 – grife de streetwear que patrocina um time americano de streetball –, é bem peculiar. Streeteiro que se preza tem que parecer meio largado, usar roupas acima do número e abusar de acessórios, como brincos, correntes e munhequeiras. Na cabeça, penteados exóticos, faixas e bonés. A trilha sonora fica por conta da black music. Talvez por isso o esporte comece a ser considerado o quinto elemento do universo hip hop – ao lado do break, do som dos DJs, da poesia dos MCs (mestres de cerimônia) e do grafite. “Hip hop e streetball são irmãos. O esporte atende à galera carente que não pode jogar num clube”, diz Marco Aurélio Quadros, 32 anos, o Deng Style, especialista em cultura do gueto.
Não há estatísticas sobre o número de praticantes no Brasil, mas dois eventos realizados no final do ano passado comprovam a disseminação da febre. Em São Paulo, o NBA 3 x 3 Gatorade reuniu mais de 500 trios em um imenso galpão de um shopping na zona sul da cidade. No Rio de Janeiro, o torneio de street foi uma das atrações do Hutúz, um megaencontro de hip hop num armazém desativado do cais do porto. Quem passou por um deles pôde se deparar com figuras como a do estudante paulistano Vinícius de Paula Oliveira, conhecido como Brooklin: 14 anos, 1,86 m, 100 quilos e uma impressionante cabeleira black power. O rapaz é daqueles que dormem com fone de ouvido e uma bola de basquete nas mãos. “Se ficar um dia sem jogar, passo mal”, confessa Brooklin, que quer seguir os passos de Nenê Hilário, do Denver Nuggets, primeiro brasileiro a jogar na NBA.
Já que a América ainda é um sonho distante, Brooklin diverte-se nas quadras do Ibirapuera e do Parque da Juventude, templos do street na capital paulista. No Rio, a molecada bate bola no Aterro do Flamengo e nas quadras das favelas e comunidades dos morros. Os meninos ainda são a grande maioria, mas aos poucos as mocinhas vão conquistando espaço. A estudante de educação física Fernanda Raquel Jorge, 21 anos, revela que a disputa começa antes mesmo de a bola começar a pingar. “Quando vamos a uma quadra que só tem homem, temos que brigar para jogar”, conta a moça. Mas a guerra dos sexos termina no acesso à quadra. Fora dela, as disputas são bem mais interessantes. “Nosso primeiro objetivo é o basquete. Mas se rolar um clima, beleza. Desde que o cara não seja mauricinho”, ensina.
Inclusão – O estudante carioca Rafael Fróes, 18 anos, teria todos os requisitos para ser o mauricinho desprezado por Fernanda: é branco, morador da Gávea (bairro de classe média alta do Rio) e estuda em colégio particular. Mas a galera da Liga Urbana de Basquete (LUB) – misto de time e projeto social que faz da modalidade instrumento de inclusão social – não está nem aí. Em quadra, no conjunto popular Cruzada São Sebastião (conhecido como Lixo do Leblon, por estar localizado no badalado bairro carioca), Rafael é simplesmente o White (branco em inglês). “Às vezes alguém do meu colégio pergunta se eu sou louco por ir à favela. Mas a maioria acha legal. Todo mundo aqui é tratado da mesma forma”, diz. Outro jogador da ala dos privilegiados é Jorge Frederico de Sá, filho da cantora Sandra de Sá. Mesmo sem querer, White e Jorge acabam servindo de inspiração para os que sonham trocar a linha da pobreza pela linha dos três pontos.
O instrutor Wagner de Oliveira Silva, 24 anos, contabiliza a perda de dois jogadores para o tráfico de drogas, mas sabe que o saldo ainda é positivo. “Também já tiramos muita gente do crime. Cada um que sai é uma vitória”, diz. O próximo alvo do projeto é Vigário Geral, comunidade que ganhou fama após a chacina de 21 moradores em 1993. Ali, Wemerson, Gílson, Vítor, Luan e Marcos Vinícius, com idades que variam de oito a 14 anos, fazem seus primeiros arremessos. Em breve, estarão ouvindo rap, vestindo camisas da NBA e da And 1, exibindo black powers e correntinhas e, acima de tudo, se divertindo com um sonho na cabeça e uma bola na mão. Esse é o lema!
Estilo: Brooklin (à esq.) exibe a cabeleira black power. Fernanda quer distância dos mauricinhos. Para Deng Style, o street é irmão do hip hop