15/07/2009 - 10:00
Em junho de 2004, depois de tomar um fora do namorado por email, a artista francesa Sophie Calle fez uma consulta no Hospital Público de Paris. A médica que a atendeu anotou que não via razão para prescrever antidepressivos. “Você está simplesmente triste.
A solução não é química”, escreveu a dra. Catherine Solano em uma receita médica em tom de carta pessoal. A médica finalizava com a sugestão: “Você encontrará recursos para reagir.” A reação de Sophie ao fim de sua história de amor com o escritor francoargelino Grégoire Bouillier pode ser conferida pelo público paulistano a partir do sábado 11, na exposição “Cuide de Você”. Intitulada com as últimas palavras de Bouillier, a exposição reúne as interpretações que 107 mulheres deram à carta de rompimento.
“Meus projetos nascem da frustração e da impossibilidade”, explica Sophie. “Não entendi essa carta, não pude respondêla, então pedi a outros que o fizessem por mim.” Lida e relida 107 vezes, a carta passou por uma análise literária e linguística, por revisão gramatical, por interpretação jurídica, por leitura de tarô. Foi transformada em partitura musical, em código numérico, em passos de dança. Foi dissecada por mulheres famosas como Carla Bruni e Victoria Abril, virou picadinho nas mãos da atriz Miranda Richardson, e até comida em bico de cacatua. “Não gosto de choro. Encontrei uma forma de manter um distanciamento pedindo que outras mulheres lessem a carta utilizando seu vocabulário profissional”, conta. As reações integram a mostra na forma de textos, fotos e vídeos. Há desde respostas lacrimejantes e indignadas – as mais previsíveis – até performances notáveis e surpreendentes – que realmente sacodem a poeira – como as da artista multimídia Laurie Anderson e da cantora Camille.
Os trabalhos de Sophie nascem sempre como uma reação. “Podem vir de meu fracasso no amor ou de meu fracasso em encontrar uma ideia.” Seu primeiro projeto, “Suíte Vénitienne” (1979), em que perseguiu um homem de Paris até Veneza anotando todos os seus passos como um detetive, veio da ausência de iniciativa própria. “Eu estava tão passiva que precisava usar as pessoas como motor para minha atividade.” Em “Unfinished” (2005), sua incapacidade de lidar com imagens de câmeras de vigilância tornou-se o motor para um documentário sobre uma crise criativa que durou 15 anos e levou um trabalho a permanecer inacabado.
O reencontro entre Sophie e Bouillier na Festa Literária Internacional de Paraty, no sábado 4, poderia dar a impressão de que “Cuide de Você” é também um trabalho inacabado, pronto para uma possível retomada. Sophie nega. “Dez dias depois de começar o trabalho, eu tinha medo de que ele voltasse para mim. O trabalho se tornou muito mais importante do que a nossa relação. O trabalho está acabado e eu amo outra pessoa.”