28/07/2004 - 10:00
Poucos fatos marcam tanto a alma do homem ocidental como o exotismo das ex-colônias do Oriente e os contrastes que a instabilidade típica deste arranjo histórico propicia. O escritor e crítico de gastronomia John Lanchester é um dos muitos que buscaram destilar no correr da sua obra os aromas e costumes de mundos pré-globalização. Assim ele costura a evolução da conflituosa Hong Kong ao longo de quase sete décadas em A fragrância da enseada (Editora Best Seller, 400 págs., R$ 39,90), mais recente livro do escritor nascido em Hamburgo, mas criado entre o Extremo Oriente e a Inglaterra.
A trama leve – que na verdade custa a se estabilizar – começa de forma óbvia como muitas outras histórias de jovens em busca de aventuras. Mostra o impetuoso Tom Stewart descobrindo a Hong Kong dos anos 1930. Envolvido numa aposta que lhe exige o improvável aprendizado da língua chinesa nas poucas semanas que o vapor leva para atracar no porto, ele dá início a uma saga de um homem só, marcada pela solidão, mas também pela solidariedade. Por seus olhares, que aos poucos conquista irremediavelmente o leitor, passam os principais movimentos da história oriental no século XX. No entanto, ele permanece como espectador de tudo, um exilado da própria realidade. Ao final, fica marcada no olfato a tal fragrância do título, que nada mais é do que uma fina ironia sobre os vapores fétidos emanados da poluída baía de Hong Kong e dos corredores da corrupção.