Numa iniciativa inédita, a cidade mineira de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, colocou uma ONG à frente de sua Secretaria de Educação. Como não há uma legislação que regule esse tipo de experiência, é o próprio líder da ONG, o antropólogo, folclorista e educador Sebastião Rocha, 56 anos, quem responde oficialmente pela secretaria. Há 20 anos, Tião Rocha, como é conhecido, dirige o Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), que nasceu na vizinha cidade de Curvelo. Ele tem em seu currículo diversos livros publicados e prêmios pela criação de processos pedagógicos que se transformaram em tecnologia educacional, hoje adotada em alguns Estados do Brasil e também em Moçambique. No entanto, Tião faz questão de ressaltar o caráter voluntário que deu ao cargo. “Todos os 30 funcionários da CPCD trabalham gratuitamente. É o Projeto Araçuaí: de UTI educacional à cidade educativa”, afirma.

A referência ao tratamento intensivo se deve ao baixo nível de aprendizagem dos alunos do município. Segundo dados do governo do Estado de Minas Gerais, 75% dos que cursavam a quarta série do ensino fundamental no ano passado tiveram avaliação insuficiente ou crítica. Na oitava série, a situação era ainda pior. Apenas 3,3% alcançaram o nível de suficiência no exame. “Criamos uma UTI de educação para que essas crianças não tivessem morte cívica”, afirma ele. O “tratamento” está sendo feito dentro da filosofia da entidade: a valorização dos meios humanos e materiais disponíveis. “Envolvemos mais de 100 pessoas da comunidade. Criamos a figura das mães cuidadoras e capacitamos 50 agentes comunitários entre jovens de 16 e 30 anos para reforçar o aprendizado. Também fizemos, entre outras ações, semanas de ‘cafuné pedagógico’, um intensivão de escrita, leitura e cálculos”, conta ele. O esforço tem mudado a vida das crianças e também de pessoas como a dona-de-casa Maria Aparecida Oliveira Carvalho, 32 anos, mãe de Márlia, 11, e Mateus, cinco. Ela cursou até a quarta série, mas hoje é uma das mães cuidadoras. “Escrevo pouco, mas descobri que posso contribuir com minhas histórias. Ensino brincadeiras antigas, por exemplo”, conta ela, orgulhosa.

Essa forma de ensinar com o que se tem na mão começou em Curvelo, onde Tião morava. Lá, como ele diz no seu jeito mineiro, tinha “muito menino” fora da escola, muito pé de manga e muitos governos que só sabiam construir escolas. Ele resolveu juntar o que estava à disposição. Botou os meninos em roda embaixo de um pé de manga e começou a ensinar, tendo como matéria-prima o que eles faziam, pensavam e queriam. “A vivência da criança, o que ela conhece e valoriza, é o material de ensino mais eficaz”, explica o educador. Nascia, assim, o Projeto Sementinha, para crianças de três a cinco anos, que deu origem a uma série de metodologias, baseadas no saber e na cultura populares. Há, entre outros, o Bornal de jogos, com 360 brincadeiras; o Ser criança, de reforço escolar; e o Fabriquetas, focado em desenvolvimento comunitário e geração de renda.

Araçuaí tem 36 mil habitantes e sua rede de ensino municipal se estende, principalmente, pela zona rural. São 2.700 crianças e 37 unidades educacionais. “No campo, em especial, a escola é um centro de referência. Queremos uma política inclusiva. E a base do trabalho dessa ONG é a educação para a cidadania”, explica a prefeita Maria do Carmo Ferreira da Silva (PT). “Se há pessoas que fazem algo melhor do que o poder público, temos de juntar forças”, completa ela.