Nos anos 70, o termo zen começou a ser usado para definir alguém com paciência ou tolerância infinita. Poucos se davam conta de que a palavra definia uma linhagem do budismo que se popularizava no Ocidente no embalo dos Beatles e da contracultura. Os primeiros reflexos da novidade resultaram, em 1974, na inauguração do Mosteiro Zen Morro da Vargem, fundado pelo monge japonês Ryoban Sbingu, já falecido, em Ibiraçu, a 217 quilômetros de Vitória, no Espírito Santo. Os rústicos casebres de madeira construídos na época cederam espaço a belos e sóbrios templos de arquitetura japonesa. Com trejeitos brasileiros e cercado por 150 hectares de Mata Atlântica, o lugar atrai milhares de visitantes, brasileiros e estrangeiros, grande parte deles nos seis retiros promovidos todos os anos.

Para celebrar suas três décadas, foi lançado um caprichado livro com as principais receitas servidas no mosteiro. A comemoração inclui visitas de monges japoneses e a inauguração do maior jardim zen do País, com 30 mil metros quadrados. Como manda a tradição, o chão será forrado com pedras e areia de modo a criar ondulações que lembrem o movimento do mar e as únicas plantas serão cactus e bromélias. Será mais um fator de integração com a comunidade, que já participa do programa de educação ambiental que atende 15 mil crianças por ano. A obra venceu uma queda-de-braço entre o espírito e a carne: a área estava sendo disputada para a construção de um motel. “Nesses 30 anos não convertemos ninguém. Ajudamos apenas a promover o crescimento do ser humano, e não o do budismo”, orgulha-se o abade capixaba Christiano Bitti, 51 anos, batizado Daiju quando se ordenou monge, aos 21. Hoje, ele se esmera em receber jovens e adultos nos retiros que organiza.

O que pode levar uma pessoa a se submeter à rígida disciplina do retiro, que prevê o despertar às 4h20, meditação sete vezes ao dia e toque de recolher às 21h, após diversas tarefas coletivas, como o preparo da comida e a limpeza dos banheiros? “Fiquei extremamente calmo e atento. A ansiedade simplesmente deixou de existir”, explica o estudante brasiliense Thiago Bezerra Lima e Silva, 22 anos, caçula do grupo de 40 pessoas do último retiro, realizado no início de junho. Acostumado a comer bife com batata frita, o maior desafio do jovem foram os pratos vegetarianos. Outra que chegou estranhando o ambiente e saiu sob os
efeitos positivos do retiro foi a tcheca Brigitta Anders, 55 anos, dona de uma pousada e de um restaurante em Búzios, no litoral fluminense. Brigitta destoava do grupo com cigarro aceso e lábios pintados. É difícil encontrar um espelho no mosteiro, mas ela tinha seu kit portátil. Os maus hábitos não mudaram, mas seu estado de espírito se elevou. “Ao sair de lá, me distanciei dos problemas e consegui segurar a ansiedade”, festeja ela, que planeja inserir um prato zen – vegetariano, com poucos ingredientes e de fácil preparo – no cardápio de seu restaurante.

O mosteiro sobrevive da horta, da pequena loja com livros, incenso, sabonetes artesanais e camisetas, dos retiros – que custam R$ 300 pelos cinco dias – e de eventuais parcerias e patrocínios. Um dos maiores atrativos do local é a atmosfera oriental, que remete a um cenário de cinema. O silêncio impera, interrompido apenas ao nascer do sol, quando bandos de papagaios entram em festa. “Eu quero”, repete insistentemente um deles, em contradição com o clima de desapego. Outro canta Parabéns a você. São pitadas de humor que refletem o temperamento do abade. Uma de suas iniciativas foi construir a Estação Cultural, uma bela casa com deque de madeira avançando sobre a vista panorâmica que tem sediado meditações noturnas. A essência do zen está justamente na prática da meditação, chamada de zazen. Nela, a pessoa passa 40 minutos sentada em posição de lótus, preferencialmente diante de uma parede branca, tentando esvaziar a mente e se concentrar na respiração.

O banho é um capítulo à parte. Mais de uma hora é reservada à limpeza do corpo e ao relaxamento da musculatura. Os visitantes saem novos, depois de alternar duchas geladas com imersões na água quente do ofurô. É uma boa oportunidade para quebrar o silêncio com um bate-papo. Em cada banheira – a feminina é separada da masculina – cabem quatro pessoas. A austeridade radical dos cômodos é outra característica do Morro da Vargem, com quartos que se limitam a um colchão no chão. Afinal, o despojamento total é um dos traços inconfundíveis do budismo, surgido na Índia por volta do século VI a.C., quando o príncipe Sidarta Gautama atingiu a iluminação e se tornou Buda. O zen nasceu mil anos depois, na Índia, e logo chegou à China e ao Japão. Uma das diversas escolas de meditação e pensamento zen é a soto, adotada no Morro da Vargem, onde austeridade e despojamento continuam marcantes. O motivo de tanto rigor nos detalhes, como diria Gilberto Gil – um dos mais assíduos divulgadores da filosofia zen –, é mostrar que “o melhor lugar do mundo é aqui, e agora”.