28/07/2004 - 10:00
Alguma dúvida do namoro do Rio com a cerveja, a mais brasileira das bebidas? Vá aos livros de história. Ela apareceu na cidade, pela primeira vez, no sécu lo 18. No início do século 20 o antigo ônibus de dois andares que fazia o trajeto entre a Praça Mauá e o Mourisco tinha o apelido de “chopp duplo”. Com o racionamento de óleo e combustível imposto pela crise econômica, o chopp duplo parou de circular nas ruas de paralelepípedo.
Mas as loiras geladas extremamente bem tiradas nunca abandonaram os cariocas. Trata-se, agora, de redescobrir o Rio – e ninguém melhor que os portugueses para fazê-lo. A Cintra, de Portugal, com uma fábrica em Piraí, no interior do Estado, e faturamento no Brasil de R$ 265 milhões, pretende pôr no mercado, nos próximos meses, uma certa “mulata”, cerveja a meio caminho da clara e da escura. A iniciativa da Cintra dá sabor a um interessante e saboroso movimento do setor. “O Rio é uma cidade feminina, uma mulher charmosa afeita a novidades”, diz o empresário Cello Macedo, de 38 anos. “Nada mais próximo dessa imagem que uma boa cerveja.” Macedo uniu-se a dois amigos, Marcelo do Rio, também de 38 anos, e Joca Muller, economista de apenas 31 anos, donos de alguns dos bares mais badalados da cidade, para criar, há pouco mais de dois anos, uma cerveja, a Devassa. Produzida em pequenas quantidades no interior do Estado e vendida prioritariamente em dois botequins, um no Leblon e outro na Barra da Tijuca, o trio percebeu que o sabor ao mesmo tempo encorpado mas leve da bebida ganhava novos amantes.
Boca do povo – O que no início parecia brincadeira pós-puberdade virou ótimo negócio. Em agosto eles inauguram uma fábrica no bairro de Santo Cristo, com produção mensal de 30 mil litros e capacidade para até 55 mil litros. O investimento foi de R$ 1 milhão. A Devassa, mais saída do que nunca, passará a ser distribuída em 70 pontos-de-venda, em três modos: loira (Pilsen), ruiva (Pale Ale) e morena (Dark Lager). Tornou-se, rapidamente, pequeno ícone de uma cidade acostumada a construir mitos. A Devassa, com seu iconoclasta slogan (“Um tesão de cerveja”), está na boca do povo. Verdade confirmada por um comentário, carioquíssimo, que circula entre os empresários. Corre uma piada: “A Mulata da Cintra poderia ser feita pela Devassa, e aí estaria tudo em casa”.
Essa movimentação apenas confirma a vocação do Rio pela cerveja – vocação percebida, ainda em 1888, pelo suíço Joseph Villiger, ao registrar a marca Brahma na Junta Comercial do Rio de Janeiro, então capital do Império. Premonitório,
o primeiro rótulo mostrava o desenho de uma mulher envolta em ramos floridos
de lúpulo e cevada. Era o primeiro passo de um gigante que construiu um modo
de vida à beira-mar.