15/04/2009 - 10:00
FRAGMENTOS Partes de narrativas são sugeridas nas telas de Cristina Canale, aliando figuração e materialidade |
O lugar do ar – Carla Guagliardi/ Museu de Arte Moderna, RJ/ até 17/5 Contos – Cristina Canale/ Silvia Cintra Galeria de Arte, RJ/ até 16/5
O Rio de Janeiro dos anos 1980 experimentou duas grandes e marcantes "ondas" artísticas. Cristina Canale pegou a primeira onda, que ganhou forma e visibilidade na exposição coletiva Como vai você, Geração 80?, realizada na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Jardim Botânico. Mesmo que, no calor da hora, a exposição tenha apontado para a diversidade que havia nos primeiros anos daquela década – mostrando 123 artistas de formações e pesquisas bem variadas -, a verdade é que a grande maioria dos que chegaram até a praia e atravessaram a década participando de bienais e grandes exposições é formada por aqueles que trabalhavam com pintura. Cristina Canale dividiu essa onda com, entre tantos outros pintores, Daniel Senise, Jorge Guinle, Leda Catunda, Leonilson, Zerbini, Romagnolo, Gonçalo Ivo e Beatriz Milhazes, que acaba de abrir uma individual na Fundação Cartier, em Paris.
Também carioca, Carla Guagliardi viu seu trabalho vir à tona no final da mesma década, numa maré que trouxe ainda uma nova geração de escultores que, segundo o curador Luiz Camillo Osório, "retomava o fio experimental e a consistência plástica do neoconcretismo e seus desdobramentos conceituais dos anos 70". Foram, portanto, duas correntes que seguiram direções diversas.
O encontro inesperado entre Carla e Cristina foi se dar em outra "praia", bem mais ao norte, bem mais tarde. Cristina mudou-se para Berlim em 1993, quando recebeu uma bolsa do serviço de intercâmbio acadêmico do governo alemão, na Academia de Artes de Düsseldorf. Carla mudou-se em 1997 e há mais de uma década divide-se entre o Rio e Berlim. Este mês, Cristina expõe uma série de pinturas recentes na Silvia Cintra Galeria e Carla faz uma antologia de 20 anos de trabalho no MAM do Rio.
As escolhas de Camillo Osório, que assina a curadoria na exposição no MAM, recaem sobre instalações que reafirmam o experimentalismo da artista com matérias orgânicas, matérias sintéticas e elementos naturais, como bolas infladas, elásticos, plástico, madeira, ferro, água, ar e até mesmo a ação da gravidade.
A particularidade do trabalho de Carla se dá nos modos imprevisíveis com que esses materiais se encontram, criando equilíbrios instáveis, situações pendulares entre peso e leveza, vulnerabilidades, dissoluções da forma. "Esse conjunto combina materiais e faz com que, em proximidade, eles adquiram novas propriedades, enfatizando um vocabulário de termos físicos como equilíbrio, densidade, materialidade, capilaridade, etc", afirma Carla.
O mesmo, definitivamente, não pode ser dito da pintura de Cristina, que pelo uso da figuração, aliada à materialidade das espessas camadas de tinta, adquire um resultado pictórico de consistência bem mais precisa. Na série recente, Contos, composta por pinturas sobre tela e desenhos sobre papel, ela faz referência à narratividade literária, apresentando imagens que poderiam ser lidas como histórias curtas ou narrativas breves.
Roteiros
Imagem fantasmagórica
MATERIALISTA – DA MIÁN ORTEGA / Galeria Fortes Vilaça, São Paulo/ até 17/5
Em 2002, o artista mexicano Damián Ortega desmembrou um fusca e suspendeu alguns de seus pedaços em fios de aço. A instalação parecia uma constelação, na qual se reconhecia o objeto apenas por seus fragmentos espalhados no ar. Por esse motivo, a obra foi chamada de Cosmic thing. Agora, ele propõe instalação similar em São Paulo, mas a desconstrução do veículo é ainda mais impactante. Afinal, desta vez ele desmembrou um caminhão de oito metros de extensão.
Ao contrário da instalação anterior, o tamanho do objeto original foi preservado aqui, provocando a percepção precisa dos contornos do caminhão, reconhecíveis apesar do vazio. A imagem é quase fantasmagórica. Intitulada Materialista, maneira como os caminhões que transportam materiais de construção são chamados no México, a obra também faz referência ao valor, nem sempre visível ou compreensível, atribuído aos objetos.
Fernanda Assef