27/02/2008 - 10:00
Na semana passada, o senador José Sarney (PMDBAP) anunciou que pedirá uma licença de quatro meses do Senado. Oficialmente, o ex-presidente diz que usará esse tempo para concluir seu livro de memórias, que inicialmente iria se chamar “Testamento para Roseana”, mas que foi rebatizado como “Boa Noite, presidente” (cujos trechos ISTOÉ antecipou na sua edição de nº 1983). A licença anunciada pelo senador acontece em um momento agitado. Nos últimos meses, Sarney vem protagonizando uma pesada queda-de-braço com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, tendo como pano de fundo o comando do setor energético do País. Seu apadrinhado, o ex-ministro das Minas e Energia Silas Rondeau, ainda enfrenta os efeitos das investigações da Operação Navalha, promovida pela Polícia Federal e que está às vésperas de receber o parecer do Ministério Público. Em 2006, Sarney perdeu pela primeira vez em anos o comando do Estado do Maranhão. Seu filho Fernando enfrenta problemas na Justiça e sua filha, a senadora Roseana, está às voltas com problemas de saúde. “Estou cansado”, confessa Sarney. Aos 79 anos, o político brasileiro há mais tempo em atividade (seu primeiro mandato como deputado foi em 1955) vê-se desafiado, acuado pelo PT no plano federal e pelo PDT no Maranhão.
Desde o início da sua atuação política, Sarney esteve ao lado do poder. Apesar de filiado à UDN, partido que fazia a mais forte oposição ao governo João Goulart, Sarney apoiava o presidente e condenou inicialmente o golpe militar de 1964. Logo em seguida, estava no partido governista, a Arena, ao lado dos militares. No final da ditadura, era o líder do PDS, o partido que sucedeu à Arena. Na derrocada do regime, rompeu com o PDS e se tornou o candidato a vice de Tancredo Neves, no movimento que pôs fim à ditadura. A morte de Tancredo o colocou na Presidência da República. Sarney só não teve influência política importante durante os dois anos e meio de governo de Fernando Collor. Depois de emplacar seu filho, o deputado Sarney Filho, no Ministério do Meio Ambiente no governo Fernando Henrique Cardoso, Sarney apoiou a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva. É dele o Ministério das Minas e Energia, com Edison Lobão. Mas Sarney não esperava ser peitado pelo PT, especialmente por Dilma, na briga pelos espaços públicos no atual governo. “O PT não sabe trabalhar em conjunto”, tem se queixado a amigos.
Na briga com Dilma após a posse de Lobão, Sarney já queimou duas indicações, que a ministra da Casa Civil vetou, para a presidência da Eletrobrás: Astrogildo Quental (que acabou na diretoria financeira da estatal) e Evandro Coura. Tenta emplacar um terceiro nome: José Antônio Muniz, presidente da Eletronorte. Dilma resiste. Na briga com ela e com o PT pelo comando do setor energético, Sarney já se viu obrigado a movimentos que normalmente não aceitaria. Para garantir a nomeação de Edison Lobão, teve de procurar o presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), com quem até então se confrontava no partido, e pedir ajuda a ele. Foi a pressão conjunta das bancadas da Câmara e do Senado que fez com que Lula cedesse e nomeasse Lobão para o Ministério.
Mas Sarney avalia que bem antes disso o PT já o fustigava. O senador considera que a operação da Polícia Federal que resultou na demissão de Silas Rondeau do Ministério das Minas e Energia foi uma armação política. Da mesma forma, ele se refere ao inquérito da PF que intimou seu filho Fernando Sarney por “movimentações financeiras atípicas” em outubro de 2006, às vésperas das eleições do ano passado no Maranhão. A PF investiga saques e depósitos de R$ 3,5 milhões das empresas da família Sarney, administradas por Fernando. Suspeita-se que os recursos tenham sido usados na campanha de Roseana, candidata a governadora, e Sarney Filho, candidato a deputado federal, o que caracterizaria abuso de poder econômico.
Sarney acha que, longe do Senado, poderá de alguma forma vingarse do PT e do governo pelos problemas que vem sofrendo. O governo enfrentará a CPI dos Cartões Corporativos e depende do PMDB para manter a sua maioria no Senado. Com Renan ainda frágil em razão das denúncias que sofreu no ano passado, o nome que poderia garantir alguma unidade à base peemedebista seria Sarney. Como existem outros senadores também irritados com os vetos de Dilma (José Maranhão e Waldir Raupp também não conseguem indicar seus apadrinhados), não é impossível que o PMDB dê em breve um susto no governo. Sarney poderia ajudar a evitá-lo. Mas pretende assistir a essa confusão de longe. Escrevendo suas memórias.