Iván Franco/ EFE

Dor e descaso: o presidente Néstor Kirchner só visitou as famílias das vítimas seis dias depois do incêndio

Uma câmara de gás: no teto, o isolamento acústico era feito por um material altamente inflamável e as portas de emergência cerradas por arames e cadeados. A capacidade era de duas mil pessoas, mas no momento da tragédia a casa estava com o dobro: quatro mil. Todos jovens, eufóricos, que escutavam, na virada do dia 30 de dezembro, em alto e bom som, a primeira música da banda de rock Callejeros na discoteca portenha República Cromagnon. Mas não houve tempo para ouvir o segundo hit. Um dos jovens lançou um fogo de artifício do tipo que espalha estrelinhas no ar. Ao invés de ir ao céu, baixou o inferno na boate de Buenos Aires. Uma faísca incendiou a casa noturna, que rapidamente foi tomada por uma cortina de fumaça. As pessoas corriam e gritavam no escuro em busca de uma saída. Amontoavam-se e pisavam nas que caíam no chão. Nos banheiros, onde algumas mães adolescentes pagaram uma funcionária para deixar suas crianças, não havia água. Minutos depois de o fogo começar, já não se podia mais respirar. Asfixia foi a causa da morte de mais de 180 jovens e do ferimento de outros 220 (a metade deles em estado grave).

Na porta da discoteca, pais desesperados procuravam saber de seus filhos. Os corpos iam sendo arrastados para fora da boate e empilhados na calçada. Mas quem poderia ser o responsável por tamanha tragédia? A primeira resposta para as infrações recai sobre um dos proprietários da disco, o empresário Omar Chabán, preso no dia seguinte e que estava na boate momentos antes de acontecer o incêndio. Segundo os seguranças, a orientação de Chabán era trancar as portas para evitar a entrada de “penetras”.

Mas a irresponsabilidade não recai apenas sobre os donos da Cromagnon.
Por que uma inspeção da prefeitura na ratoeira do rock não levou ao seu
fechamento ou a uma reforma para ser adaptada às condições necessárias? O prefeito de Buenos Aires, Aníbal Ibarra, tratou logo de esquivar-se da responsabilidade. Mas não teve como evitar a demissão do secretário de Justiça e Segurança Urbana da capital, Juan Carlos López. Nem o governo federal argentino escapou ao vexame. O presidente Néstor Kirchner preferiu prosseguir com suas férias de final de ano na Patagônia e somente seis dias depois do incêndio foi ter com as famílias das vítimas na Casa Rosada (sede do governo argentino). E, pior, como sempre apontou o dedo para a imprensa argentina, a quem acusa de “julgar a dor dos argentinos de maneira midiática”.