ASSEMBLÉIA Mulholland teve o apoio de 157 docentes contra dois, e 18 abstenções

Darcy Ribeiro, antropólogo, professor e político, idealizador da Universidade de Brasília (UnB), caso estivesse vivo, não acreditaria. Na quarta- feira 20, a outrora valente e combativa UnB fez ouvidos moucos para o clamor da sociedade e decidiu transigir com a gastança do reitor Timothy Mulholland, patrocinada com dinheiro público. As denúncias do Ministério Público de uso indevido de verba na decoração de um apartamento funcional foram consideradas problemas menores. Por 157 votos a dois, e 18 abstenções, os docentes da universidade decidiram pela permanência de Mulholland no cargo. Ao fim da votação, os professores em altos brados gritaram em uníssono: "Viva a UnB", como se festejassem um triunfo.

Não poderia haver retrato mais lamentável de uma universidade que trocou a utopia pelo pragmatismo e o corporativismo. A UnB vive uma crise de gestão. Os recursos são escassos, faltam professores e as instalações são inóspitas para quem trabalha e estuda ali. O departamento de biologia, por exemplo, montou seu escritório com mobiliário reciclado do lixo. Em contrapartida, sobra verba para extravagâncias do alto escalão. O dinheiro para a reforma na residência do reitor foi repassado pela Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec), hoje palco de uma série de outras irregularidades, tais como contratação de mão-de-obra com dispensa de licitação e subcontratação de empresas. A fundação ligada à universidade que tem, em seu estatuto, a determinação de investir em desenvolvimento tecnológico, possui uma receita de cerca de R$ 100 milhões anuais. Somente R$ 750 mil, no entanto, são aplicados em pesquisa. Mas, mesmo assim, muito poucos ousavam manifestar indignação ante o resultado favorável ao reitor.

A vitória, em parte, pode ser explicada pelo perfil dos presentes. "A maioria aqui tem algum cargo ou favorecimento da reitoria", denunciou o chefe do departamento de filosofia, Rodrigo Dantas. Mas o que está por trás do placar amplamente favorável ao reitor é o temor de que a Finatec seja extinta. "Os recursos são escassos e a fundação acaba sendo a única chance de conseguir algum financiamento para cursos e pesquisas", explica a coordenadora- geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE), Luiza Oliveira, que é favorável ao afastamento de Mulholland. Os professores, sobretudo os mais antigos, também vêem nos ataques ao reitor e à UnB digitais de quem supostamente quer privatizar a universidade. Essa desconfiança foi usada para justificar a falta de indignação contra os luxos de Mulholland e os desvios na Finatec. Uma mudança e tanto para quem um dia foi às ruas contra a ocupação da UnB pelos militares.