O tempo passa, eliminando velhos hábitos com requintes de crueldade e determinando a adoção de novas atitudes. Disso nem o mais empedernido e belicoso roqueiro escapa. E a mudança pode vir de qualquer lado. O ruído de passinhos infantis pelos palcos, por exemplo, transformou muitos incendiários em bombeiros. Caso do livro póstumo Amor verdadeiro, composto por desenhos que John Lennon fez para o filho Sean. Essa pode ser uma das explicações para a existência de tantos livros infantis escritos por músicos. Como Paul McCartney, parceiro de Lennon nos Beatles, que chega às livrarias com Lá no alto nas nuvens (Planeta, 96 págs., R$ 34,90), e o rapper de salão Gabriel o Pensador, que está lançando Um garoto chamado Rorbeto (Cosacnaify, 56 págs., R$ 29,90).

A exemplo de Madonna, que destinou a renda de um de seus quatro livros, Yakov e os sete ladrões, a uma fundação ligada à cabala, de que é adepta, McCartney defende sua filosofia de vida em sua narrativa, que pode ser resumida pelo título de uma de suas canções: Paz na vizinhança (Peace in the neighbourhood). Escrito com o veterano Philip Ardagh e ilustrado por Geoff Dunbar, com quem Paul já havia criado o desenho animado Rupert and the frog song, o livro trai a paixão de McCartney por Walt Disney. Traduzido pela escritora Ruth Rocha, trata-se da história de como o esquilo órfão Serelepe enfrentou a gorila careca Gadolfa e, auxiliado pelo sapo perneta Ranulfo, conduziu todos os animais da poluída Megatrópolis para a paradisíaca Animália, misturando defesa ambiental, amizade e humor – em inglês o volume traz como subtítulo Um conto de peludos urbanos (An urban furry tale, em um trocadilho com fairy tale, conto de fadas).

Já o carioca Gabriel Contino, filho da jornalista Belisa Ribeiro, surgiu apavorando em 1992 com Tô feliz (matei o presidente) em pleno impeachment, mas acabou seguindo os passos de Rita Lee, tornando-se uma espécie de personagem para o público infantil – a roqueira ruiva lançaria quatro livrinhos na virada dos anos 1990 protagonizados por Alex, um cientista transformado em ratinho. Ao contrário dos anteriores, o livro de Gabriel lida com as diferenças entre as pessoas. O designer paulistano Daniel Bueno valeu-se do imaginário ligado ao material escolar para criar um mundo rígido de réguas, folhas pautadas e recortes de cartilhas, em que toda diferença é notada. E Gabriel veio com um enredo de aceitação e auto-imagem. O Rorbeto do título era para se chamar Roberto, mas, como seu pai era analfabeto, deu no que deu. Além do nome errado, o garoto com certeza vai aguçar a curiosidade das crianças – tem seis dedos.